domingo, 24 de setembro de 2017

Vitimismo

Há alguns anos, ouvi de um professor que eu não podia me vitimizar. Isso porque, eu havia assumido, em sala de aula, que tinha muita dificuldade em ler em inglês. E antes que perguntem, não, não sei francês, nem inglês, mesmo tendo um título de doutora. Sim, passei nas duas provas que fiz para seleção, mas daí, a ler com desenvoltura um texto acadêmico, são outros quinhentos. E não, eu não acho que é preciso saber inglês ou francês para escrever uma boa tese ou dissertação. 
Se não aprendi, não foi por que não quis. Foi porque, enquanto meus colegas podiam ficar na Universidade nas aulas de línguas do Cenex da Faculdade de Letras, ou já tinham morado fora num tempo que nem existia o Ciências sem Fronteiras, eu tinha que sair correndo, antes da aula terminar, e atravessar a cidade para trabalhar. Hoje, eu teria todos os argumentos para discutir com aquele professor, mas naquele dia, após a aula, eu só chorei. Fui chorando encontrar com o menino que chegava da escola e foi ele, do alto dos seus nove anos, que segurou minha mão e me consolou: “Mãe, olha onde você chegou!” E contou uma história que ouviu da professora sobre um rei que distribuiu sementes para seus súditos. E ainda acrescentou: “Sua semente vai germinar, mãe! Eu vi você plantando!” Quando vi uma criança fazendo um papel que deveria ser meu, engoli o choro, apertei a sua mão e subimos juntos a ladeira em direção à quitinete onde morávamos. Hoje, anos depois, depois de ler e ouvir muito sobre branquitude e privilégios, eu adoraria reviver aquela cena e argumentar com o professor tudo que não consegui dizer naquele dia

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