domingo, 24 de setembro de 2017

Nossos passos vêm de longe

Naquela manhã, quando o caminhão parou em frente à quitinete, eu não tinha certeza se fazia a escolha certa. Nossos trenzinhos - duas camas de solteiro, uma estante para os livros, um geladeira semi-nova comprada em 10 vezes no cartão de uma amiga, um fogão azul com a porta do forno estragada, espólio ainda do primeiro casamento, duas caixas com os brinquedos do menino, meus livros e umas poucas vasilhas, seguiram na frente. Dias depois, seguimos nós, de ônibus. O menino no colo, poltrona do corredor, que depois trocamos com a moça sentada na janela, porque o pequeno, no pássaro verde, começou a enjoar nas intermináveis curvas a caminho da zona da mata mineira. Fomos muitíssimo bem recebidos. Almenara nos esperava na rodoviária. Ela providenciou gás para o fogão e seu filho, Sávio, montou nossas camas e instalou o chuveiro. Depois, meu amigo Samuel veio ver se estávamos bem acomodados. Foram quatro anos na cidade. Lá, fizemos amigos, dei aulas, o menino aprendeu a nadar, a andar de bicicleta, a se equilibrar em cima do skate, a dormir na casa dos amiguinhos. Às vezes chorava e eu tinha que buscá-lo. Ao final de 4 anos, dissertação defendida, lá fomos nós, novamente, dessa vez para o Sul do país. Nossos trenzinhos tiveram que ficar, vendidos a preço de banana para um topa tudo. Chorei no apartamento vazio. Precisei desapegar e conseguimos mudar para Floripa com duas malas, apenas. Tá certo que os livros ficaram na casa da Mariza, onde estão até hoje, esperando nossa cantinho definitivo que tem demorado a chegar. Entulhando espaço na casa da minha irmã ficaram alguns trabalhos de arte do menino, como uma releitura do Miró que ainda sonho em colocar na moldura. Sob a guarda dela tem também, umas fotos, discos, fitas e uma colcha feita pela cooperativa de mulheres "Mãos talentosas" que misturam o crochê com um nanduti, um bordado de tradição guarani. A colcha foi presente da amiga, Ana Rocha, lá de São Felix, interior da Bahia. Como se desfazer de um negócio desses? 
Impossível! É um trabalho lindo de viver. Depois, lá fomos nós para o outro lado do atlântico. Fomos com duas malas e voltamos com três por conta dos livros adquiridos. Viemos direto para Baldim onde vim escrever a tese. E aqui estou, há 3 anos. Aqui, me sinto em casa. Uma casa que nem é só minha. Herança de mamãe, que fez muito sabão de coco para pagá-la, meu mesmo, por direito, é só 10% dela, uma tirinha de nada. Fico com a parte da janela azul com vista para o morro, onde os beija-flores, diariamente, me trazem poesia em troca de um pouco de água; e um cantinho no quintal onde as perpétuas resistem ao sol quente e ao tempo das secas. 
O aprendizado depois de 10 anos, 10 casas, 5 cidades e 2 países? As malas precisam estar sempre leves. Lembrei disso tudo esses dias, enquanto atualizava e documentava meu lattes para mais um concurso e achei o certificado da prova de inglês do mestrado. 
Nossos passos vêm de longe.

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