sexta-feira, 27 de março de 2015

Basta um beijo




fragilidades tão bem escondidas que pareciam nem existir, mas que brotam ao menor sinal de solo fértil.

quarta-feira, 25 de março de 2015

"Eu tenho um sonho"


quando ele viu a camiseta na vitrine, endoidou!
- "mãe, eu quero! compra pra mim?"
realmente ela era linda, uma gravura metade martin luther king, metade leão.
- "você, pelo menos, sabe quem é esse cara"...
- "sei sim, mãe! é o que diz "eu tenho um sonho". já ouvi o Racionais falar dele na música "Jesus chorou".
entraram na loja, 70 reais.
- "é muito caro, eu não tenho esse dinheiro".
- "eu tiro da minha poupança, mãe. sabe os 100 reais que a minha vó me deu? então... deixa, deixa, por favor..."
- "eu posso emprestar, depois você me paga". -  a tia interveio, sensibilizada.
a mãe ficou sem argumentos... deixou.

terça-feira, 24 de março de 2015

Luz


nos momento de decisão
de encruzilhada
ela sempre acendia uma vela
em intenção do nosso anjo da guarda.

salve maria!

segunda-feira, 23 de março de 2015

A vida que não cabe no lattes

Onde eu coloco que nesses 4 anos de doutorado eu redescobri o prazer de cozinhar? E que, para o dia render mais, aprendi a acordar cedo, e de quebra vejo o sol nascer todas as manhãs? Onde eu coloco que acima de tudo, o meu estágio doutoral em Portugal, me rendeu um amor imenso por Lisboa? Não há agradecimento possível que caiba os amigos que fiz nesses anos. Como que faz? Onde que põe essas coisas? O ponto do doce, difícil de achar, mas que me salva nos momentos de estresse da escrita? Hein? Isso tudo cabe onde? Me diz, me diz? Os poemas que li, as músicas que ouvi, os shows bacanas que fui, os lançamentos de livros, os autores que descobri? Isso cabe no lattes?

domingo, 22 de março de 2015

Receita de domingo


A nova receita de pão de queijo deu certo, três ingredientes apenas e ficaram ótimos! O irmão, na mesa para o café da manhã, elogiou: ficou bom, sem base! A conversa acabou girando em torna do queijo, de quem o fez, da comida na mesa e de como muitos dos agricultores que eram da época do pai, hoje, conseguem sobreviver da agricultura familiar.

Depois do café, ligou o computador e deu uma passeada pela timeline. Viu as fotos da manifestação global contra o racismo que aconteceu no dia anterior, dia internacional pela eliminação da discriminação racial, em Berlim; depois assistiu um vídeo do Tambor Mineiro cantando "Um ser de luz", de Paulo César Pinheiro; em seguida um vídeo da manifestação de ciclistas em SP contra a ordem da juíza que mandou parar as obras das ciclovias; existe amor em SP sim! Depois viu uma foto com os brasileiros bombando no salão do livro em Paris: Marcelino Freire, Rodrigo Ciríaco, Conceição Evaristo... só feras!

Da cozinha escutou o filho ouvindo Bob Dylan, depois Bob Marley e em seguida Cartola...

Pensa, se um domingo que começa assim pode dar errado?

quinta-feira, 19 de março de 2015

Rua do Campo



Antigamente, antes da rua ter nome oficial, chamava-se "rua do campo". O campo de futebol, fica bem no fundo da sua casa e naquela época, quando haviam poucas cercas e poucos muros, o quintal era usado como atalho para quem ia assistir os jogos.






Nos domingos de jogos, a alegria de sua mãe contrastava com a sua tristeza. Nesses dias, ela e a irmã vendiam "K-Suco" gelado na porta do vestiário. Detalhe: não tinham geladeira. Os vizinhos eram quem forneciam o gelo. Tinha mais essa, sair pedindo gelo de casa em casa. Ela odiava, morria de vergonha, detestava ficar ali, na porta do vestiário ouvindo os jogadores falando palavrões, um ambiente onde só tinham homens. Quantos anos tinha? sete, talvez oito, nem se lembra mais... Mas a mãe, empreendedora como era, sabia das coisas. Quem, senão ela, teria a ideia de vender refresco gelado na porta de um vestiário em dia de jogo? É óbvio que vendia, e muito! 



 Era tradição entre os irmãos, os mais velhos levarem o dinheiro para a mãe. Só os mais velhos poderiam desempenhar tarefa de tamanha responsabilidade: carregar duas ou três notas no bolso, morrendo de medo de perdê-las.  Na medida em que iam crescendo se recusavam a fazer determinadas tarefas e sempre sobrava para os menores. Depois ela descontaria na irmã mais nova o que a irmã mais velha fazia com ela: ir, sem pressa nenhuma, levar o dinheiro para a mãe. A alegria da mãe quando as filhas chegavam com o dinheiro, compensava toda a vergonha que sentiam. Nesses dias dava até para comprar carne!

Fazer o quê? Foi assim, com esses pequenos empreendimentos que a mãe ajudou o pai a pagar a casa onde moravam. Às vezes, com o dinheiro do K-suco dava até para rolar uma roupa nova para a "Festa de Agosto".

Hoje, a rua mudou de nome. O campo está gramado, murado, tem até arquibancada. Mas, o vestiário está lá, do mesmo jeitinho que sempre foi. E a cada caminhada não tem como não reviver essas lembranças...




sábado, 14 de março de 2015

Posfácio



quando eu terminar a minha tese vou escrever um posfácio com tudo que eu aprendi, para além do meu objeto de pesquisa:
- acordar antes do sol nascer;
- a ciência envolvida  no plantio do  milho e do quiabo;
- o prazer de cozinhar;
- perder o medo do ponto do doce - descobri que é parecido com o da escrita: às vezes duro demais, às vezes mole demais, mas nada que nos impeça de levar tudo ao fogo, de novo, até achar o ponto certo, brilhante, luminoso;







- aprendi que criar passarinhos é vê-los soltos, voando pela casa, catando migalhas pelo chão, em cima da mesa, fazendo ninhos no manjericão da horta, na samambaia chorona na porta da cozinha. é também vigiar o cachorro para que ele não pegue o filhote que teimou em sair da segurança do ninho antes das asinhas ficarem prontas;




- aprendi a congelar polpa das frutas do quintal, para não vê-las perdendo;
- perdi o medo de tirar fotos;








- aprendi que se você olhar nos olhos dos cães, descobre um afeto que nunca imaginou existir. se não pretende ter cachorros em casa, não olhe em seus olhos, não olhe, não olhe... pois eles trocarão um segredo com você e aí... já era! é paixão certa pelos bichinhos. os de rua então...



e como anexos colocarei as fotos que tirei, os poemas que li, os autores novos que descobri e as receitas que experimentei neste período. será que a banca aceita?


sexta-feira, 13 de março de 2015

Vai ter doutora preta e pobre sim!

- você estudou até que série?
- eu faço doutorado.
a moça levantou os olhos do papel onde anotava os dados e olhou para ela, incrédula.
- ah, é? e a sua tese é sobre o quê? insistiu num misto de incredulidade e desprezo.
com preguiça de sempre ter que dar "carteirada" em gente preconceituosa, ela resumiu a sua pesquisa.

na volta pra casa, foi afirmando pra si mesma: vai ter doutora preta e pobre sim! para desespero desta elite racista!


terça-feira, 10 de março de 2015

"O que a memória ama fica eterno"


"- Vai lavar essa mão primeiro", a mãe sempre exortava antes de deixar a filha  ajudar a enrolar os biscoitos. A menina tirava uma bolinha e ia esfregando a massa entre as mãos até formar um rolinho, que depois era trabalhado em forma de trança e círculos. Em seguida eram assados numa caçarola de ferro no fogão a lenha, com um prato de brasas por cima. Depois de ajudar a mãe, ela deitava no chão e ficava sentindo o cheiro dos biscoitos se espalhar pela casa. Daquela época ela lembra também, do friozinho bom, que vindo do chão de cimento vermelho, sempre encerado, atravessava o seu vestido; tinha também a fumaça que subia do fogão e se encontrava com os raios de sol que atravessavam o telhado, deixando a cozinha com uma luminosidade diferente naqueles finais de tardes.

domingo, 8 de março de 2015

Menos rosas, mais direitos...



Naquele 8 de março ela mudou o penteado para esconder o hematoma que se formou perto do olho esquerdo. no caminho para o trabalho ganhou uma flor pelo dia internacional das mulheres.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Playlist

O alarme do celular 'nokia 110' toca. São 5 horas da manhã. Uma vontade de ficar na cama, mas a "vozinha", já conhecida, diz: "levanta, menina! Seu dia rende muito mais quando você caminha antes do menino ir pra escola".  Levanto."Preciso lavar esses tênis", digo pra mim mesma. Caminhar no campo, tão cedo, com a grama ainda molhada de orvalho, deixa o calçado imundo.

Já estou pronta quando ouço o som de pata na porta da sala. "Hahaha, hoje acordei primeiro que você, Scooby".

Ainda está escuro quando saímos pra caminhar. Sinto um pouco de medo, mas já, já, o  dia estará claro. Cansada de ouvir em meu celular velho a chiadeira das péssimas rádios e dos péssimos noticiários a esta hora da manhã, resolvi pegar o celular do menino.

Com o dedo indicador procuro pelo ícone "music player", como ele me ensinou. Vejo sua playlist: AC/DC,  Avenged Sevenfold, Black Sabbath, Bob Dylan, Bob Marley, Cartola, Charlie Brown Jr,  CPM 22, Criolo, David Guetta, Iron Maiden, Judas Priest, Led Zeppelin, Metallica, Migos, Motorhead, Nickelback, Nirvana, Ozzy Osbourne, Paramore,  Racionais MC's, Rae Sremmurd, The Rolling Stones, Sabotage, Sepultura, Tenacious D, U2, White Stripes, Wiz Khalifa.

Escolho Criolo, Convoque seu Buda. Ouço uma, duas, três vezes. "Pô, o menino só baixou esta? Não foi o cd todo não? Sacanagem", reclamo. Com o dedo indicador seleciono Racionais MC's, "Nego Drama".  Me acho tão boba ao sentir as lágrimas descendo. Não é TPM, nem nada. Por que estou assim, chorando ao ouvir Racionais? Lembro do menino aos 7 anos, chegando em casa, cantando a música. Lembro de um dia, nós dois assistindo na TV uma polêmica envolvendo o jogador Adriano e ele, pequenininho ainda, cantando após a reportagem: "o dinheiro tira o homem da miséria, mas não pode arrancar de dentro dele a favela"... Lembro também, do aluno do primeiro período, do curso de direito, há mais de 10 anos dizendo: "professora, você precisa escutar Racionais, as suas aulas de sociologia e as músicas deles falam das mesmas coisas"... Aí que o choro vem  mesmo..."Negro drama, eu sei quem trama e quem tá comigo, o drama que eu carrego, pra não ser mais um preto fudido". Já ouviu o menino cantar tantas vezes. Sempre a mesma ênfase no final da frase: "pra não ser mais um preto fudido"!

Deslizo o dedo indicador pela tela, Pressiono no ícone Bob Marley. Lembro do menino me zoando porque  nunca uso o polegar no touch screen. "Mãe, você tocando esta tela parece o ET tocando o dedo do Elliot".  Odeia touch screen, parece que tenho problema de coordenação motora, fico me sentido uma velha do século passado. Bob Marley canta "One Love", "Il meglio" e "Bad Boys". Lembra do menino, ainda bebê, balbuciando "nan", nan"  e fazendo o sinal de não com o dedinho, indicando que não era aquela música. Só pousava a cabecinha no meu ombro  e relaxava para dormir, quando ouvia os primeiros acordes do violão de Gil,  em "three little birds" (don't worry), do cd "Kaia N' Gan Daya". Antes de terminar a música, ele já estava dormindo. Até hoje, só dorme ouvindo música.

O próximo ícone a ser  pressionado é "Cartola", "Preciso me encontrar". Lembro da noite anterior, quando depois de ouvir a música pela primeira vez, o menino correu para baixá-la no tablet. "Mãe, que coisa mais linda que é isso? Não dá vontade de parar de ouvir." Nesta hora meu coração amolece e  penso que afinal, alguma coisa eu acertei na criação desse menino.

Me sentindo o próprio ET,  agora pressiono Charlie Brown Jr e Sabotagem, em "cantando pro santo". "Ah, eu acho que o jovem de hoje em dia deve ler e se informar, ver bem as coisas como são, poder contestar as coisas de forma clara, não só rimas em vão", canta Chorão... "Onilê, ô pai Ogum, ai, ei, eô, mamãe Oxum, filho de Zambi, cansado de ver sangue aqui na sul", completa Sabota.

Em seguida ouço Led Zeppelim e lembro do menino na guitarra, tentando aprender os acordes de "Stairway to heaven".  Lembra dele ainda na minha barriga e o pai perguntando: "será que este menino vai gostar de música legal"?

Depois ouço U2, "Sunday bloody sunday" e lembra do dia que apresentei a banda ao menino e expliquei o que foi aquele "sangrento domingo".  Lembro também, dos tempos do Colégio Municipal, do jornalzinho que minha turma fazia nas aulas de português e da amiga Lais, apaixonada pelo Bono. Esqueço o ritmo da caminhada e começo a dançar. Scooby entra na dança e começa a pular. Minha camiseta fica toda marcada de patas.

São 6 horas e 27 minutos. Uma hora de caminhada e nem vi o tempo passar. Preciso me apressar para tirar o menino da cama, senão ele perde a hora da escola. Chegando no portão o alarme do celular começa a tocar "Preciso me encontrar". O danadinho mudou a música do despertador. Corro e coloco o telefone ao lado do travesseiro dele. Ele merece acordar ouvindo Cartola.






terça-feira, 3 de março de 2015

A última manga

Eram dias felizes. A casinha era simples, mas tinha um quintal enorme onde o milharal fornecia as bonecas das meninas: loira, ruiva, morena, podiam escolher à vontade. Estas bonecas eram boas de brincar porque nem precisavam de roupas. A palha abraçava a espiga como se fosse um cueiro bem apertado.

Depois da separação, os sábados eram reservados para a visita ao pai. Na sexta feira, ele retornava da Ceasa e sempre dava algum dinheirinho às filhas. Dinheiro, que repassado à mãe, era usado para comprar comida.

Naquele final de ano a casa estava cheia. Os irmãos mais velhos, que já moravam na capital, vieram com amigos. As irmãs trouxeram os namorados, gente bonita, interessante, da cidade grande. Deste dia, a menina tem lembrança da manga, a última no pé, amarelinha, lá em cima, na gretinha entre o último galho e o céu. Decidida, ela resolveu se arriscar. Subiu! Do chão ela avistava o fruto, mas quando estava lá em cima, ele desaparecia entre as folhas. Ficou neste sobe e desce durante um tempão, até que do alto da mangueira ouviu a voz do pai. O que ele fazia ali? Ouviu gritos e som de vidro se quebrando. Desceu da árvore assustada. Foram apenas alguns minutos, mas pareceu uma eternidade. O coração bateu fora do compasso ao ver quebrada, a mesa de madeira, onde, junto com os irmãos, sentavam fingindo que estavam jantando fora. O reflexo deles na cristaleira, agora também quebrada, eram os outros frequentadores do restaurante imaginário, A sopa de macarrão com batata, comprada com os trocados recebidos aos sábados, do pai, era o banquete mais delicioso do mundo. A mãe fazia com capricho e coloria com corante de urucum, que ela mesmo socava, com fubá, no pilão.

Ao ver os poucos móveis quebrados, lembrou da mãe. O desespero tomou conta dela quando não a viu. A vizinha, com uma das mãos, segurou seu braço com firmeza, com a outra, segurava a irmã. Ela engoliu o choro e fingindo calma, procurou falar pausadamente:
- Pode me soltar, eu não vou atrás dela, não!

Foi tão convincente que sentiu a mão afrouxando sobre o seu punho. Desvencilhou-se devagarinho e desatou a correr no único caminho que imaginou que a mãe poderia ter seguido. Correu como nunca imaginou ser capaz e gritava com toda a força de seus pulmões:
- Mãe! Mãe! Ô, mãe! Me espera!

Avistou a mãe na subida do morro, já sem fôlego. Ao ouvir a voz da filha, a mãe se apoiou no barranco poeirento e a esperou. Abraçadas ficaram as duas ali, esperando a respiração voltar pro ritmo. Uma vizinha chegou, pegou mãe e filha pelo braço e levou até a sua casa, um casebrezinho na beira da estrada, onde tirou água do pote numa caneca verde esmaltada, acrescentou açúcar e deu às duas para se acalmarem. Solidária, ela conhecia bem o desespero que via ali, nos olhos de mãe e filha.

Quando as coisas se acalmaram voltaram para casa. Era preciso catar os cacos e arrumar tudo. A menina foi brincar no quintal e viu a manga, a última, no chão do galinheiro com marcas de bico. Justo a última manga, pensou... Só se conformou quando ouviu a mãe comentar que ao ver a filha correndo atrás dela teve a certeza de quanto era amada. A menina sorriu. Ouvir isto era mais saboroso do que degustar todas as "últimas" mangas do mundo...