segunda-feira, 13 de julho de 2015

Roupa nova

A Festa de Agosto se avizinhava. Desde o começo do ano, ela e os irmãos juntavam moedinhas para as compras nas bancas dos camelôs que se amontoavam na praça. Vinham de longe, da capital. Cada brinco, cada pulseira, cada colar mais lindo que o outro. Faltava a roupa nova para a Festa. Eis, que de repente, a mãe surgiu com retalhos comprados em Sete Lagoas, sentou-se na sua máquina de costura Elgin e de lá só se levantou para fazer a menina provar a peça que acabara de costurar. Era inacreditável que daquelas mãos calejadas pelo trabalho pesado pudesse nascer peça tão bonita. Uma bata florida de manguinhas bufantes. Era aberta na frente e duas fitas do mesmo tecido formavam o laço que arrematavam a peça num charme único. No domingo, a ansiedade para exibir na praça a roupa nova fez com que a missa demorasse mais do que de costume. Quando o padre disse: "vão em paz, que o Senhor vos acompanhe", ela não conseguiu esconder o sorriso. Mas, a certeza do sucesso veio mesmo, foi na segunda feira, quando a filha do delegado da cidade bateu à porta, pedindo emprestado a roupa para copiar o modelo.

domingo, 5 de julho de 2015

Caminhar pela cidade

Nosso trajeto começou na estação  do 'move', em frente à ufmg, onde atento, o menino observava os estudantes entrando e saindo do campus. "Já, já sou eu né, mãe? Não vejo a hora..." Os olhos curiosos buscando identificação, cabelos parecidos com os dele, camisetas de banda de rock... "Viu a camiseta do Nirvana, mãe?" Pela avenida Antônio Carlos ele foi observando os pixos e os grafites que sempre rendem boas conversas. Se entrar vendedor no ônibus, ele compra, não interessa o quê. "Tem que dar uma força, mãe. O cara tá batalhando..."  Se não estão vendendo nada, mas pedem uma moeda, ele contribui. "Não interessa o que ele vai fazer com a grana mãe, ele é livre, até para comprar drogas, se quiser", e tira as moedas do bolso. Próximo ao conjunto IAPI, de um lado os usuários de crack, do outro uma igreja evangélica também viraram temas de discussões. Embaixo do viaduto um morador de rua e seu cachorro na casa improvisada: "seus amigos são, um cachimbo e um cão, casa de papelão", o menino canta a música do Criolo. Na praça da Rodoviária ele me cutuca, mostra o casal de moradores de rua se beijando deitados em um pedaço de espuma, transformado em colchão. Os dois se abraçam e trocam carinho revelando que a rua também é lugar de afetos. Mais a frente um grupo, dessa vez, num fogão improvisado, preparando o rango. "A boia parece que vai ser boa, hein mãe? Eles têm até uma certa "infra", ele brinca. Na praça Raul Soares uma barraca montada no gramado, em volta prédios vazios e abandonados. Desta vez o papo gira em torno da função social da propriedade. Na galeria da Praça Sete, ele pira. Várias lojas de equipamentos de skate, 'milhão' de camisetas de bandas de rock, poster do Tupac. Mas a grana ficou mesmo foi nos rolamentos novos. "Paciência, vou ter que juntar, de novo. Cê volta aqui comigo, né mãe? Mãe, não vejo a hora de começar a trabalhar e ganhar meu próprio dinheiro, poder comprar minhas coisas"... Mais a frente um salão afro. Chegamos na porta, ele observa. Há tempos namora a ideia de fazer dreads. O rapaz dá um cartãozinho, "quando quiserem, é só aparecer. Podem ligar que a gente marca um horário". Uma negra linda trançando o cabelo. "Que lugar 'manero', mãe..." Na saída da galeria, o espaço da praça é dividido pelos skatistas que fazem manobras e pelos vendedores de artesanato. "Tenho vontade de dar um abraço em cada um deles, mãe..." Já encaminhando para o ponto de ônibus, um desconhecido pega em seu próprio cabelo, aponta para o cabelo do menino e faz um sinal de positivo com o polegar. O menino retribui a gentileza movimentando a cabeça e não consegue esconder o sorrisão que ilumina seu rosto. Inconscientemente, apruma o corpo e levanta a cabeça. Seguimos nosso destino.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Terceira Margem




Estamos sempre atravessando, não para o outro lado, mas para uma terceira margem. Uma travessia que não se efetiva porque a terceira margem está dentro de nós. Depositados que somos "numa canoinha de nada, nessa água que não para, de longas beiras". E a gente segue "rio abaixo, rio a fora, rio a dentro", porque a terceira margem não se alcança, mas é ela que nos move a remar.