"Cada qual tem o seu álcool.
Tenho álcool bastante em existir.
Bêbado de me sentir, vagueio e ando certo."
sábado, 20 de junho de 2009
Argonautas e sensíveis
"Diziam os argonautas que navegar é preciso,
mas que viver não é preciso.
Argonautas, nós da sensibilidade doentia,
digamos que sentir é preciso,
mas que não é preciso viver".
Bernardo Soares ( heterônimo de Fernando Pessoa)
mas que viver não é preciso.
Argonautas, nós da sensibilidade doentia,
digamos que sentir é preciso,
mas que não é preciso viver".
Bernardo Soares ( heterônimo de Fernando Pessoa)
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Manoel de Barros
O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás da casa.
Passou um homem depois e disse: essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
Passou um homem depois e disse: essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás da casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Aquecendo para o Sarau...
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.
(Manuel de Barros - Livro das Ignorãças)
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos -
O verbo tem que pegar delírio.
(Manuel de Barros - Livro das Ignorãças)
terça-feira, 16 de junho de 2009
domingo, 14 de junho de 2009
"Eu não tô entendendo nada!"
Já perdi a conta de quantas vezes assisti ao filme Amélia de Ana Carolina. Sempre encontro um pretexto para passar para @s alun@s: discutir capital cultural do Bourdieu, discutir etnocentrismo na Antropologia e por aí afora. Esse final de semana, assistindo aos extras e ouvindo a Ana Carolina dei mais uma de minhas "piradas".
A diretora comenta da incomunicabilidade humana. A cena em que as irmãs chegam ao hotel e encontram com a criada de Sara, Vicentine, é um bom exemplo disso. Ana Carolina, deixa a cena sem legenda, enquanto Vicentine fala em francês levando o espectador a compartilhar da angústia das irmãs.
Mas a orientação de Amélia era: "finjam que conhecem tudo muito bem, não é difícil, é só ficarem caladas". E, segundo Ana Carolina, quando não entendemos, começamos a adivinhar. É o que as irmãs tentam fazer, adivinhar o que aquela mulher está querendo dizer naquela língua estranha. E quantas e quantas vezes não entendemos nada, mas fingimos que conhecemos tudo muito bem? Por isso a interlocução é tão difícil.
Estava tudo muito seguro, previsível até o encontro das irmãs com a francesa. Mas estar de frente com a alteridade desestrutura tudo. O "outro", o diferente tem o poder de desencadear isso em nós. Segundo Ana Carolina, na maioria das vezes não entendemos ou entendemos muito mal o "outro", pois para entendê-lo é preciso conhecê-lo. Essa lição a antropologia já nos ensinou, mas o conhecimento da diferença exige acolhimento e generosidade.
Quando a alteridade se coloca, tudo que estava seguro entre aquelas mulheres se abala. A crise de Sara é a crise de todos nós, diz Ana Carolina, por isso "bem aventurados aqueles que conseguem, debaixo de grande tortura, achar um jeito de fazer o seu dialeto próprio". Às vezes demoramos uma vida inteira pra aprender a falar a nosso própria língua, nos fazer entender, conseguirmos nos expressar. A não expressão é o hospício, diz Ana Carolina. Mas construir seu próprio dialeto não é tarefa fácil. A cineasta usa a metáfora de uma caixa de concreto onde se está preso. A ruptura dessa caixa é resultado de trabalho árduo, que às vezes pode levar anos, é "estiva" como ela mesma diz e não tem nada de glamour. Mas não há outra saída: ou conseguimos nos expressar ou é a loucura!
Felizes aqueles que conseguem construir seu próprio dialeto, felizes aqueles que rompem a caixa, felizes os que conseguem se fazer entender!!!
Salve, salve, Ana Carolina!!!
A diretora comenta da incomunicabilidade humana. A cena em que as irmãs chegam ao hotel e encontram com a criada de Sara, Vicentine, é um bom exemplo disso. Ana Carolina, deixa a cena sem legenda, enquanto Vicentine fala em francês levando o espectador a compartilhar da angústia das irmãs.
Mas a orientação de Amélia era: "finjam que conhecem tudo muito bem, não é difícil, é só ficarem caladas". E, segundo Ana Carolina, quando não entendemos, começamos a adivinhar. É o que as irmãs tentam fazer, adivinhar o que aquela mulher está querendo dizer naquela língua estranha. E quantas e quantas vezes não entendemos nada, mas fingimos que conhecemos tudo muito bem? Por isso a interlocução é tão difícil.
Estava tudo muito seguro, previsível até o encontro das irmãs com a francesa. Mas estar de frente com a alteridade desestrutura tudo. O "outro", o diferente tem o poder de desencadear isso em nós. Segundo Ana Carolina, na maioria das vezes não entendemos ou entendemos muito mal o "outro", pois para entendê-lo é preciso conhecê-lo. Essa lição a antropologia já nos ensinou, mas o conhecimento da diferença exige acolhimento e generosidade.
Quando a alteridade se coloca, tudo que estava seguro entre aquelas mulheres se abala. A crise de Sara é a crise de todos nós, diz Ana Carolina, por isso "bem aventurados aqueles que conseguem, debaixo de grande tortura, achar um jeito de fazer o seu dialeto próprio". Às vezes demoramos uma vida inteira pra aprender a falar a nosso própria língua, nos fazer entender, conseguirmos nos expressar. A não expressão é o hospício, diz Ana Carolina. Mas construir seu próprio dialeto não é tarefa fácil. A cineasta usa a metáfora de uma caixa de concreto onde se está preso. A ruptura dessa caixa é resultado de trabalho árduo, que às vezes pode levar anos, é "estiva" como ela mesma diz e não tem nada de glamour. Mas não há outra saída: ou conseguimos nos expressar ou é a loucura!
Felizes aqueles que conseguem construir seu próprio dialeto, felizes aqueles que rompem a caixa, felizes os que conseguem se fazer entender!!!
Salve, salve, Ana Carolina!!!
sábado, 13 de junho de 2009
Sou Clarice, sou Adélia
Hoje acordei Clarice, mas Adélia me arrumou:
Dona Doida
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso,
com trovoada e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.
(Adélia Prado)
Dona Doida
Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso,
com trovoada e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.
(Adélia Prado)
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Sala de aula: exercício de humanidade...
Um dia desses, li uma entrevista[1] do ator João Miguel, de quem gosto muito, diga-se de passagem, e fiquei extremamente mexida com as coisas que ele disse. Guardadas as proporções, os sentimentos e sensações vivenciados por ele nos palcos são parecidos com os que vivo na sala de aula: um exercício diário de alteridade, de encontro com a diferença. João Miguel disse que empresta suas memórias para seus personagens. Comigo não é diferente, são minhas memórias que alimentam o meu ofício de professora. A sala de aula é um espaço onde me reinvento todos os dias. É lugar de encontro, de diálogo, de afeto, mas também de conflito. É na sala de aula que exerço a minha humanidade, é onde, todos os dias, sou chamada a rever minha prática, com os meninos e meninas me colocando pra pensar, me instigando, me ensinando coisas novas, com aquela energia própria da juventude. Muitos alunos e alunas mais quietos, mais calados, esperam pacientemente a aula terminar para, em particular, dar seu depoimento de como tem sido legal a troca. E os depoimentos têm sido muitos... E se (meus) meninos e meninas têm sido tocados, é porque, parafraseando João Miguel, ali abriu-se um canal, que para mim é sagrado. A todos vocês, meus alunos e minhas alunas, serei pra sempre devedora. E parafraseando mais um grande mestre, de vocês quero ser discípula e testemunha ... Para sempre!
[1] Para quem quiser ler a entrevista (Entre o sertão e o abismo) ela está disponível em http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3078,1.shl
[1] Para quem quiser ler a entrevista (Entre o sertão e o abismo) ela está disponível em http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/3078,1.shl
Assinar:
Postagens (Atom)