sábado, 29 de outubro de 2011

"Quero a mamãe de volta"

Inspirado em Margaret Atwood


Eu quero a mamãe de volta!
Me esperando no portão com seu vestidinho de chita.
A comida no fogão: seu arroz empapado, sua carne dura e seu tomate com cebolinha da horta.
Quero comer seu mingau de couve com carne de porco,
quero raspar a panela do mingau de milho verde, feito especialmente pra mim.
Quero arrumar a cozinha, enquanto ela cochila no sofá.

Mamãe, que queria tudo no seu tempo, que resolvia tudo sozinha, que não gostava de depender de ninguém.

Eu quero vê-la nervosa porque a grama está alta, porque precisa catar as mangas, rastelar as folhas, porque o quintal precisa estar sempre impecável.

Eu a quero contente porque neste final de semana o filho caçula veio.
Eu a quero chegando de mansinho para participar de mais um debate na mesa do café.

Quero cortar suas unhas,
ajudá-la a tingir o cabelo, bem pretinho.
Quero ouvi-la reclamando de todos os homens, exceto de seus três filhos,
e ensinando suas filhas a não depender de ninguém.

Quero vê-la irritada porque os netos mexem em tudo, quebram suas plantas, espalham a areia no fundo do quintal.

Quero sentar com ela na porta da rua e ficar vendo o tempo passar.
Quero vê-la murmurando a sua reza, enquanto assiste TV.

Mamãe que detestava sujeira, bagunça e papel.
Que se encantava com o desabrochar da flor de seda, com suas rosinhas, com as frutas do quintal e com a sua horta.

Mamãe que gostava de suas roupas perfumadas,
que tinha medo de passar fome novamente, e por isso gostava da despensa sempre cheia.

Quero tomar sua bênção, como a senhora fazia tanta questão.
Quero reunir com todo mundo, de novo, no natal, para o amigo oculto e para comer o lombo de porco feito com tanto capricho.

Quero ver novamente seu encantamento com a beleza dos peixes do São Francisco, no aquário do zoológico, em Belo Horizonte.
Quero suas velas acesas em intenção do nosso anjo da guarda.
Quero ir a missa com a senhora, só pra lhe agradar.
Quero acompanhar as procissões da Semana Santa e lhe explicar todos os personagens, só para ver o brilho dos seus olhos diante da sabidice da filha que leu toda a bíblia.

Quero ver novamente seu orgulho a cada conquista dos filhos.
Quero ver a  torcida da senhora pra que eu encontre um namorado legal e o leve em Baldim para mostrar pra todo mundo (ou somente para alguns).

Volta, mãe!
Para dividir a solidariedade de gênero a cada dor de amor sofrida pelas filhas.
Quero vê-la indignada com os genros e noras, nunca bons o suficiente para seus filhos e filhas.

Quero ir ao cerrado com Senhora buscar pequi e leite de mangaba para melhorar a respiração dos netos.
Quero ir com a Senhora na casa da Dindinha para me benzer e  na casa da Bilinha chupar jabuticaba no pé. Quero ir passear de carro, pelo Cerradinho, só para a senhora me mostrar as casas novas, falando orgulhosa de com Baldim está crescendo. Quero ir junto fazer a compra do mês e vê-la contente comendo um saco daquele salgadinho horroroso que a senhora não podia comer, mas que teimosa, comia feito criança,  lambuzando as mãos com aquele pó amarelo e rindo quando chamávamos sua atenção.

Mamãe que não frequentou escola, que não sabia ler, nem escrever as letras, mas que lia o mundo como ninguém.


Mas não tem mais jeito. A Senhora se foi...
E deixou uma saudade doída...
Mas deixou também seus ensinamentos e  um orgulho enorme de ter sido a sua filha.

Saudades, mãe...