sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Natal

sou um fracasso para o natal, eu confesso! como mário de andrade, eu também tenho horror a grandes ocasiões e prefiro as quartas-feiras. o máximo do espírito do natal que consegui, foi rir do menino lembrando do dia que descobriu que papai noel não existia. ele, lá pelos seus 7 anos, havia pedido um boneco' max steel', caríssimo, mas ganhou mesmo foi um saquinho com dinossauros, que eu, incompetente, não retirei nem o preço: $1,99.  ele, teve ali, a certeza para um desconfiança que já existia, essa "história de bom velhinho era uma grande palhaçada, quem comprava os presentes era mesmo a mãe da gente". ontem, inconformado porque não haveria jantar especial, ele resolveu preparar o menu: anéis de cebola empanada. desde que viu essa receita, num desses vloggers de culinária, que ele queria fazer. era chegada a hora. enfim, uma ocasião especial. e não é que ficou bom? a massinha que sobrou do empanado virou panqueca que ele guarneceu com pedacinhos de bacon. eu, envergonhada, resolvi fazer um suco de laranja com acerola para completar. teve até sobremesa, um geladinho de chocolate que ele comprou na vizinha por 70 centavos. foi a nossa ceia. meu irmão colocou pilha na história dos brinquedos nos contando da vez que gastou um salário mínimo comprando uma carreta de madeira, enorme, para o filho, que não deu a mínima. o menino gostou mesmo foi de uma tartaruga ninja, comprada por centavos no camelô, em belo horizonte, e dormiu abraçado com ela durante muito tempo. sem coragem para sair de casa, fui dormir embalada pelo som da folia de reis que, na igreja, cantava para o presépio. minha camisola velhinha, ganhada de segunda mão, me abraçou num carinho gostoso e o sono só não foi melhor, porque a frida, com saudades da vida loka dos tempos que vivia na rua, nos deu 'um perdido' e foi atrás de restos de alguma ceia mais promissora que a nossa. acordei às três e meia da manhã com o som das patinhas dela no portão, me pedindo para abrir. agora, a danadinha vai dormir o dia inteiro, aposto!

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Era raiva não...

mamãe era muito parecida com a mãe do conto "sem enfeite nenhum", de adélia prado. fazia esforço pra sair a rua. é que ela não sabia fingir e não era todo mundo que queria encontrar, então preferia ficar no seu cantinho. no máximo, chegava na porta de casa, ia a missa. muitas vezes, quando eu estava junto com ela, atravessamos a rua em passos apressados para não encontrar com algum chato que estava do outro lado. mamãe era assim, nervosa, sem paciência. foi amaciando à medida que os filhos foram crescendo, as responsabilidades e os problemas diminuindo. mamãe vivia com pouco, não gostava de ostentação. dois ou três vestidinhos estampados, sempre do mesmo feitio, sem mangas e com golas. dindinha maria era quem costurava. reciclava tudo. o vestido velho, já puído, ganhava um elástico e virava anágua, depois a anágua virava pano de tirar poeira, até não restar mais nada. mania de quem viveu por muito tempo abaixo da linha da pobreza. mamãe não abria mão era da tinta para o cabelo. a pela enrugada, a boca ficando murcha, mas o cabelo pretinho. era a vaidade dela. nunca colocou uma calça comprida. os vestidinhos eram sua marca registrada. os vestidinhos e o sapato moleca. apesar de não ler as letras, lia o mundo, e inteligente que só, abstraia: "aquele ali tem espírito de águia", me disse certa vez, se referindo a um vizinho, rapaz jovem, mas muito empreendedor. falou assim se referindo ao livro "a águia e a galinha", de rubens alves, que um dia li pra ela. eu gostava de ler pra ela. choramos juntas quando li o começo de "só as mães são felizes" da lucinha araújo e da regina echevarria. o livro começa justamente com os momentos finais do cazuza. ela também chorou quando li "poema esquisito" de adélia prado. não conheceu o pai, teve uma história difícil com a mãe e quando eu li os versos finais: "ôôôô pai, ôôôô mãe, dentro de mim eles respondem tenazes e duros, porque o zelo do espírito é sem meiguices, ôôôôi fia." ela não aguentou e caiu no choro. Acho que ela nunca ouviu um "ôôôôi fia", pois se casou ainda adolescente, aos 16 anos. talvez, por isso o choro. nem teve tempo de ser filha. virou logo esposa e mãe. pouco antes dela morrer, quando a visitei no hospital, ela nem abriu os olhos e só falou com sua voz grave: "é, acho que desta vez eu não aprumo mais não." e não aprumou. mamãe era muito brava. como a mãe do conto a "terceira margem do rio" de guimarães rosa, ela era "quem regia, e que ralhava no diário com a gente". ela era assim, "sem enfeite nenhum". nunca passou um batom, não usava brinco, mas adorava suas roupas perfumadas. todos os sabonetes que ganhava iam para as gavetas da cômoda, além dos saquinhos com folhas secas do patchouli que ela tinha na horta. até outro dia eu guardava o que ela fez pra mim, mas sumiu no meio de tantas mudanças. o tempo foi abrandando mamãe, ela foi ficando mais tolerante, administrando melhor os conflitos, mais paciente com as diferenças dos filhos. quando ela morreu, seu rosto sereno me convenceu, que assim como a mãe de "sem enfeite nenhum", o que ela tinha, "era raiva não". era marca de dor".

sábado, 19 de dezembro de 2015

Travessia

essa semana reli o conto "sequência" do livro "primeiras estórias" de guimarães rosa. em tempos de travessia é sempre bom (re)ler o velho guima. o conto narra as aventuras de uma vaquinha desgarrada que resolve voltar a sua fazenda de origem. determinada em seu intento, só parava mesmo para beber água. não hesitava nem nas encruzilhadas. e olhem que encruzilhada é lugar de decisão. esperta, fingia pastar ou se alonjava quando avistava algum cavaleiro. não parava para comer,  ia arrancando os capins do barranco, sem diminuir a sua marcha. até que no meio do caminho, um dos filhos de séo rigério resolveu seguir a vaquinha.como ela trazia em seu couro marca de grande fazendeiro, talvez o moço almejasse alguma recompensa. o moço atou o laço a garupa e pôs-se atrás da vaquinha. perdeu-a de vista várias vezes. atravessou rio, atravessou serra e nada de laçar a danada.o moço se cansou, pensou em se arrepender, sem saber para onde aquela vaquinha o levava. teimoso e obstinado, não desistiu. a vaquinha também não. e apesar do atropelo chegaram juntos ao destino. no belo livro "céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica", alfredo bosi entrega a chave do conto: "quem elegeu a busca não pode recusar a travessia." 'tendeu'?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Caminhada


um ano e meio morando em baldim e já aprendi algumas coisas. graças ao meu irmão, que tem fascínio por pássaros, aprendi a identificar alguns: sabiá, canário, tiriziu, pardal, rolinha e até o pica-pau que de vez em quando dá o ar da graça no pé de manga. durante a caminhada também já consigo identificar algumas árvores do trajeto. depois de acompanhar duas florações, já sei onde estão os ipês amarelos e os ipês rosa. além, é claro, dos pés de cagueiteira, de gabiroba e de jamelão. caminho na última rua da cidade, uma rua de cascalho de onde é possível apreciar uma das mais belas vistas da cidade. algumas casas estão localizadas em lugares estratégicos de onde se avista, além da serra de baldim, o nascer e o pôr do sol. de um lado as casas, do outro, o cerrado desmatado e transformado em pasto. as casinhas simples, sem acabamento, sempre chamam a atenção com os jardins à porta e as hortas: os pés de quiabo,a rama de batata doce, pés de mamão, de couve, mostarda, cebolinha... quando o sol desponta eu já estou no meio do caminho, passando em frente a casa, onde todos os dias, um pai peleja acendendo o fogão a lenha para fazer o café dos filhos. já conheço até os cachorros. na ida, as vacas e os bois que preguiçosamente ainda estão deitados no pasto, já começavam a se levantar quando estou voltando. o morador solitário fez uma varandinha que agora está enfeitada com samambaias choronas plantadas em latas de doce. e por falar em doce, o cheiro que se espalha no ar avisa que hoje é dia de bananinha cremosa na fábrica


na casa seguinte uma árvore de natal feita com algumas fitas amarradas em um galho seco, que com certeza, foi apanhado no mato em frente. a mesma casa onde mora um cachorro branco parecido com o scooby, que pelo tom avermelhado de poeira em seu pelo, parece que nunca tomou um banho. talvez eu esteja sendo injusta com a dona, coitada. às vezes, você termina o banho e eles vão se secar esfregando justamente na terra. é de chorar. sempre encontro com um ou outro conhecido, que devido a assiduidade com que agora me vê, pergunta se estou passando uns dias ou se estou de férias. eu, com preguiça de contar a verdadeira história, que é uma moradia temporária, que vim escrever a tese, confirmo: sim, estou de "férias-prêmio", seis meses. já no asfalto, a ambulância passa com a "médica da família" indo atender seus pacientes. em sentido contrário, vem o ônibus escolar com as crianças da zona rural. esses daí ficaram de recuperação, pois a essa altura, os alunos já não vão mais à escola. chego no trevo, na encruzilhada. seguindo em frente o caminho vai dar em belo horizonte, se virar à direita, sete lagoas. baldim fica aqui, nesse entre-lugar. na volta o sol já vai alto. o dia já está acendido, como diria minha sobrinha. o pai que pelejava com o fogão a lenha, já coou o café e pelo cheiro é como aquele que mamãe preparava. a primeira água com o café mais forte e sem açúcar era o dela, a segunda ia para a garrafa dos adultos e a terceira, sim, a terceira, um cafezinho ralo e muito doce era o das crianças; o "café da lata", chamado assim porque era armazenado numa lata de óleo reciclada, transformada em bule. a essa hora as pessoas já estão caçando um jeito a dar na vida e eu, implorando aos céus, aos santos, aos espíritos e aos orixás que me ajudem na empreitada das correções da tese para entregá-la dentro do prazo e começar 2016 uma mulher parida. na volta passo na padaria. o dono e eu somos quase parentes. ele é tio-avô do menino, filho da bisa e carrega a responsabilidade de fazer pães e biscoitos tão bons como os da mãe. dessa vez não esqueci o dinheiro. se esquecer também não tem problema, sou filha da dona dulce e do séo zezinho, irmã do zezé do caminhão. com um currículo desses tenho créditos, muitos créditos

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Chove



Chove. Aquela chuva constante, de engrossar rio, fazer o milho crescer, lavar tudo. A grama do quintal que estava estorricada está verde de novo e precisando de corte. Incrível essa capacidade de renovação da natureza. Será que a gente também é assim? Eu queria fazer poesia com a floresta de cogumelos que nasceu no quintal, cada dia em um canto diferente. Ou com a revoada de cupins brotando do chão. Aqui, chamamos de "catarina" esses insetos que, saídos da terra, voam em dias de chuva. Ou ainda, com os cinco pezinhos de 'bem-me-quer' que nasceram no quintal. Um deles já está com o botão quase em flor. Mas, sou só mulher do povo, mãe de filho, sonhando em ser Adélia. Aprendi que não se pode jogar a semente de qualquer jeito, em qualquer lugar. Foi assim com o bem-me-quer e com as sementes de tomate, pimenta e feijão que joguei na horta. Nascer, elas até nasceram, mas o mato está competindo com elas e não tem jeito de capinar, pois está tudo misturado. Aprendi que é preciso fazer o canteiro, preparar a terra, esperar a época certa. Algumas  mudas gostam de pouca, outras, de muita água. Tudo tem ciência, omo na teses que estou escrevendo. Scooby perdeu o lugar e está visivelmente aborrecido. Agora, quem  fica enrodilhada aos meus pés é Frida e suas meninas. Elas são tão lindas quando estão dormindo. Acordadas não param quietas e tudo oferece perigo. Os dentinhos já nasceram, já posso senti-los nos meus pés enquanto trabalho. Outro aprendizado para o posfácio da tese: os bichos humanizam a gente.