quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Caminhada


um ano e meio morando em baldim e já aprendi algumas coisas. graças ao meu irmão, que tem fascínio por pássaros, aprendi a identificar alguns: sabiá, canário, tiriziu, pardal, rolinha e até o pica-pau que de vez em quando dá o ar da graça no pé de manga. durante a caminhada também já consigo identificar algumas árvores do trajeto. depois de acompanhar duas florações, já sei onde estão os ipês amarelos e os ipês rosa. além, é claro, dos pés de cagueiteira, de gabiroba e de jamelão. caminho na última rua da cidade, uma rua de cascalho de onde é possível apreciar uma das mais belas vistas da cidade. algumas casas estão localizadas em lugares estratégicos de onde se avista, além da serra de baldim, o nascer e o pôr do sol. de um lado as casas, do outro, o cerrado desmatado e transformado em pasto. as casinhas simples, sem acabamento, sempre chamam a atenção com os jardins à porta e as hortas: os pés de quiabo,a rama de batata doce, pés de mamão, de couve, mostarda, cebolinha... quando o sol desponta eu já estou no meio do caminho, passando em frente a casa, onde todos os dias, um pai peleja acendendo o fogão a lenha para fazer o café dos filhos. já conheço até os cachorros. na ida, as vacas e os bois que preguiçosamente ainda estão deitados no pasto, já começavam a se levantar quando estou voltando. o morador solitário fez uma varandinha que agora está enfeitada com samambaias choronas plantadas em latas de doce. e por falar em doce, o cheiro que se espalha no ar avisa que hoje é dia de bananinha cremosa na fábrica


na casa seguinte uma árvore de natal feita com algumas fitas amarradas em um galho seco, que com certeza, foi apanhado no mato em frente. a mesma casa onde mora um cachorro branco parecido com o scooby, que pelo tom avermelhado de poeira em seu pelo, parece que nunca tomou um banho. talvez eu esteja sendo injusta com a dona, coitada. às vezes, você termina o banho e eles vão se secar esfregando justamente na terra. é de chorar. sempre encontro com um ou outro conhecido, que devido a assiduidade com que agora me vê, pergunta se estou passando uns dias ou se estou de férias. eu, com preguiça de contar a verdadeira história, que é uma moradia temporária, que vim escrever a tese, confirmo: sim, estou de "férias-prêmio", seis meses. já no asfalto, a ambulância passa com a "médica da família" indo atender seus pacientes. em sentido contrário, vem o ônibus escolar com as crianças da zona rural. esses daí ficaram de recuperação, pois a essa altura, os alunos já não vão mais à escola. chego no trevo, na encruzilhada. seguindo em frente o caminho vai dar em belo horizonte, se virar à direita, sete lagoas. baldim fica aqui, nesse entre-lugar. na volta o sol já vai alto. o dia já está acendido, como diria minha sobrinha. o pai que pelejava com o fogão a lenha, já coou o café e pelo cheiro é como aquele que mamãe preparava. a primeira água com o café mais forte e sem açúcar era o dela, a segunda ia para a garrafa dos adultos e a terceira, sim, a terceira, um cafezinho ralo e muito doce era o das crianças; o "café da lata", chamado assim porque era armazenado numa lata de óleo reciclada, transformada em bule. a essa hora as pessoas já estão caçando um jeito a dar na vida e eu, implorando aos céus, aos santos, aos espíritos e aos orixás que me ajudem na empreitada das correções da tese para entregá-la dentro do prazo e começar 2016 uma mulher parida. na volta passo na padaria. o dono e eu somos quase parentes. ele é tio-avô do menino, filho da bisa e carrega a responsabilidade de fazer pães e biscoitos tão bons como os da mãe. dessa vez não esqueci o dinheiro. se esquecer também não tem problema, sou filha da dona dulce e do séo zezinho, irmã do zezé do caminhão. com um currículo desses tenho créditos, muitos créditos

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