domingo, 24 de setembro de 2017

Eu sou o outro

A gente tenta se proteger para não adoecer. Vai ver Grupo Corpo, se enfia na literatura e na poesia, faz curso de escrita, se cerca de gente legal, vai passear no cerrado com os irmãos, tem altas conversas com o filho, recebe o afeto dos bichos. Mas daí, quando você abre o computador, a primeira notícia que vê é: "140 tiros - foi assim que mataram os 10 no Morumbi". Uma das vítimas chegou a receber 33 tiros, outra 27, 13 projéteis nas costas. Lembrei do conto "Minieirinho" da Clarice Lispector:
"Esta é a lei. Mas há alguma coisa que, se me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro."

Nenhum comentário:

Postar um comentário