domingo, 24 de setembro de 2017

16 de agosto

Hoje é dia de contrição.
De falar baixo, de pisar leve, de dizer pouco. 
Dia de acender uma vela em memória. 
Porque para lembrar e sermos lembrados é que fomos feitos. 
Há 7 anos Dona Dulce descansava seu fardo. 
A primeira feminista que conheci.
Nunca frequentou escola, não sabia ler nem escrever.
As letras, porque o mundo lia como ninguém.
Quis o destino que eu voltasse a habitar a casa dela e há 3 anos estou aqui, cuidando do seu espólio: uma janela azul de tramela, a grama que embora ressequida com a falta de chuvas segue firme no quintal, duas ou três xícaras lascadas, umas poucas panelas amassadas - justamente as que ela mais gostava. Uma samambaia chorona plantada em lata de doce e que ano após ano, resiste. Um vaso de lírio que está florido na porta da cozinha. Seus forrinhos nas tábuas na parede que sustentam suas vasilhas, não tão areadas como ela gostaria.
Desculpa, mãe!
É que é muito difícil manter a casa do mesmo jeitinho da Senhora. Não tem mais a sua cara, mas a sua presença, essa sim, continua firme.
Ontem o menino disse: "Nem recolhi as folhas e já tenho que rastelar o quintal novamente". É que com esse tempo seco e com o ventinho do mês de agosto o quintal não para limpo. Quer dizer, folha não é lixo, sempre insisti com a Senhora, lembra? Ouvir o menino dizer isso me encheu de alegria e soou para mim como a maior homenagem que eu poderia lhe render.
Mãe, João criou afeto por esse lugar. Outro dia ele me disse: "Eu quero que os meus filhos frequentem aqui. Eu quero dizer pra eles: essa é a casa que foi da bisavó de vocês."
Pronto!
Quer homenagem mais linda que essa?
Estamos aqui, mãe, zelando por sua memória. 

"Porque é pra isso que somos feitos: para lembrar e sermos lembrados."
Valeu por tudo, Dona Dulce!

Nenhum comentário:

Postar um comentário