terça-feira, 12 de abril de 2016

Tão igual e tão diferente

Hora boa a da caminhada. Coloco os fones e vou pensando na vida. Mudei mais uma vez o itinerário. Tô gostando disso, caminhos diferentes. Baldim é tão pequenininha que em alguns minutos é possível dar a volta na cidade. Hoje, vi o espaço de lazer do lar dos velhinhos por outra rua. Fico tentando recordar como era o lugar. Era um quintal imenso com muitas árvores frutíferas. Quando criança, meu sonho era brincar ali. Mas o dono tinha fama de muito bravo. Diziam até que ele tinha muitas armas e que não pensava duas vezes para atirar em alguém. Quando falo que Baldim é cheio de personagens que parecem saídos dos contos de Guimarães Rosa, tem gente que duvida. Isso é porquê não ouviram Maria conversando. Aí sim, iam entender o que é neologismo. Como puderam cortar aquelas árvores? Os quintais deveriam ser tombados como patrimônio histórico. Tá certo que fizeram uma boa construção, mas será que não tinha como preservar o verde? Eu, minha irmã e meu irmão ficamos brincando que vamos terminar nossos dias, lá. Antigamente era "Asilo de São Vicente de Paula"; hoje é "Lar da Boa Esperança". Modernizou e não foi só no nome. Quando passo pela praça, ainda não são 6 horas da manhã, mas as meninas já varrem as ruas. Meninas é jeito de falar, pois são todas minhas contemporâneas. Lembro delas na minha infância, com algumas cheguei, inclusive, a brincar. Em algum momento nossas vidas seguiram rumos diferentes. Penso que elas nunca saíram daqui. Algumas casas da minha infância estão em ruínas; outras, que eram da elite da época estão feias, mal cuidadas. Empobreceram? Muitas construções novas, cheias de vidro. Alguns ascenderam. O tiozinho passa a caminho do trabalho em sua bicicleta. A capanga reciclada de alguma calça jeans velha vai atravessada no peito, dentro, a marmita. O filho da senhora que nos acolheu no dia em que papai quebrou toda a casa, também passa de bicicleta. Lembro dele naquele dia terrível, nos olhando com ar piedoso, enquanto sua mãe colocava açúcar na água retirada do pote, na caneca esmaltada. "Bom dia, Dalvinha!, ele me cumprimenta. Dalvinha... Acho tão estranho uma senhora ser chamada de Dalvinha. Ele também já é um jovem senhor. Envelhecemos todos. Quando passo pela padaria já tem alguns homens na porta. Não os conheço. Sinto que olham minha bunda quando passo, apesar da camiseta bem cumprida, tampando tudo. Os cachorros dormem enrodilhados no meio da rua. No lote vago, um outro, brinca sozinho com um pedaço de espuma. Dois me acompanham. Eu ameaço apanhar uma pedra no chão e eles desistem. Nem olho pra trás. Eu, hein? Não dou conta daqueles olhares sedentos por um sinal de afeto. Eu não, não troco mais segredos com nenhum cão, não quero me converter a mais nenhum. Depois que devolvi a "guarda" do Scooby para meu irmão, ainda me sobraram dois para cuidar, Fridinha e Dandara. Quando passo pela praça novamente, já está tudo limpo. As meninas não brincam em serviço. Um adolescente com uniforme do colégio entra na padaria. Nas mãos um tabuleiro coberto por um pano de prato, branquíssimo. Imagino que sejam pastéis. Deve estar cumprindo a obrigação antes de ir para a escola, como fazíamos quando criança. Lembro do tempo em que eu levava bolo e pipoca no grupo escolar. Minha irmã que estudava de manhã, ficava encarregada de vender, recebia o dinheiro e dava o troco. Eu, ficava segurando a bandeja. Foi assim que mamãe nos criou. Baldim continua tão igual, e ao mesmo tempo, tão diferente.

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