segunda-feira, 25 de abril de 2016

Choque cultural

Meu primeiro choque cultural foi quando, aos 12 anos de idade, minha família mudou para BH. A cidade grande me assustava. Morria de medo de me perder, não entendia os quarteirões fechados da Praça Sete, não sabia usar o telefone público. Foi em BH que a ficha da desigualdade social caiu. Vi mendigos na rua pela primeira vez e percebi o quanto minha família era pobre. O segundo choque cultural foi quando entrei na universidade. Era começo da década de 1990, o muro de Berlim havia caído e discutia-se o fim da história. Influenciada pelos irmãos Souza (Betinho, Henfil e Mário), lá fui eu fazer Ciências Sociais. Lembro de uma greve de ônibus que teve, e como ia a pé para a UFMG, fui assim mesmo. Achava que ia perder a caminhada, pois com greve nos transportes, como é que as pessoas se deslocariam até lá? Quando cheguei e vi o estacionamento tomado de carros, alheios à greve, percebi o espaço elitista onde estava me metendo. Lembro do primeiro período, tendo que ler Pierre Bourdieu e não entendendo nada. Lembro de um trabalho que fui fazer na casa de uma colega de curso. Um menina branca, que estava na segunda graduação, que já havia morado no Canadá e falava francês fluentemente. Essa colega, às vezes zoava o meu sotaque da roça, eu, que nem sabia que tinha, porque morando em BH há mais de 10 anos, achava que já dominava todos os códigos. Mas não adianta, pobre tem cara de pobre, jeito de pobre e alma de pobre. Já disseram por aí. Quando cheguei no apartamento da colega para discutirmos o texto de Bourdieu, tomei outro susto. Localizado na zona sul de BH; num prédio de 1 apartamento por andar, com cerca de, sei lá, 150/200m2. Era um apartamento de 4 quartos e ficamos discutindo o texto numa mesa enorme, na sala de jantar. Minha colega morava sozinha e deve ter percebido o meu espanto, pois ficou justificando de onde vinha a riqueza, que o apartamento era do pai, que enriqueceu durante a ditadura, na década de 1970, com aquela história que o bolo tinha que crescer, para depois dividir. Foi a primeira vez que ouvi isso. Depois estudaria sobre o período nas aulas de economia e aprenderia que o bolo cresceu sim, mais foi dividido somente com uma pequena parcela da população, aquela que ficava no topo da pirâmide, às custas do empobrecimento de quem estava na base. Como diria Dona Jacira, mãe do Emicida, nesses "dias escuros, mesmo com sol quente", tenho buscado onde me apoiar. Meu amigo Fernando, escreveu hoje, que já está se preparando para o "dia seguinte". Senti um frio na espinha quando li isso. Não quero pensar no dia seguinte. A escritora Noemi Jaffe também escreveu um post onde diz que, "mesmo que tenha golpe, não haverá golpe, pois a vida se espreme como vontade de potência"; que "não temos a chave, mas que procuraremos as portas" e que "continuaremos a contar histórias". Eu fico pensando na família da minha colega que enriqueceu durante a ditadura e que são as mesmas que estão no poder há 500 anos, herdeiros das capitanias hereditárias, que não admitem perder seus privilégios, que destilam ódio diante do pouco que conquistamos. Tenho evitado pensar no "dia seguinte", eu, que ainda não consegui ascender à classe média. E embora, o menino fique me consolando dizendo que "não temos dinheiro, mas temos cultura", fico pensando que nossa cultura não paga as contas. Ou paga?

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