domingo, 24 de abril de 2016

ES-PE-RAN-ÇA

"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenes
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."

Este poema de Mário Quintana traduz os meus sentimentos nos últimos dias. Depois do show de horrores que foi a votação de domingo, minha esperança saltou do 12º andar. Durante todo o dia de ontem, essa meninazinha louca que é a esperança, ficou estirada na calçada. Incólume, mas sem forças para levantar. Outros desesperançados me questionavam: Dalva, o que a gente faz? Como reagir? E eu, ainda extremamente abalada com toda a misoginia daqueles homens de cabelos pintados de preto e de acaju, numa atitude desrespeitosa não só com a presidenta do país, mas com todas as deputadas, não sabia o que responder. As deputadas favoráveis ao impeachment eram chamadas de "lindas" quando se aproximavam do microfone e as contrárias eram agredidas verbal , psicológica e simbolicamente, numa tentativa de serem silenciadas. Não foi só a aprovação do impeachment que deixou minha esperança no chão. Foi o machismo e a misoginia daqueles deputados. Esse machismo que enfrentamos cotidianamente, dentro de casa, na rua, na convivência com os filhos, com os irmãos, com os amigos, e que foi escancarado na nossa cara no domingo. É disso que se trata também. Deve ser insuportável para aqueles machos terem que engolir uma mulher comandando a nação. (Tô com preguiça de ressaltar que tenho mil críticas ao governo Dilma). Eu só me dei conta que para além do impeachment (ainda não aprendi a escrever essa palavra, bendito corretor ortográfico), foi o show de machismo e a misoginia que me atirou do 12º andar. Só percebi isso, quando no final do dia, centenas de mulheres foram até o Palácio do Planalto dar uma abraço simbólico na Presidenta. Elas representavam ali, as milhões de mulheres que se sentiram desrespeitadas e agredidas no domingo. Foi lindo ver aquelas mulheres, de todas as idades, de todas as cores, de diferentes classes sociais, com uma mão segurando seus filhos e com a outra, segurando flores para a Presidenta. Dentro do Palácio, quando Dilma recebia o afeto das mulheres, eu contei oito crianças sentadas no tapete e um bebê no colo. Enquanto Dilma conversava com as mulheres, as crianças brincavam no tapete. A Secretária de Mulheres, Eleonora Menecucci, abraçava uma das manifestantes. Enquanto uma das lideranças lia o manifesto, Dilma consolava uma outra, que emocionada, não parava de chorar. Outra ainda, em certo momento, consertou a gola da roupa de Dilma, que se dobrou quando ela recebia as flores. Penso que o que falta é essa política do afeto e do cuidado, que vi ali nos gestos das mulheres e da Presidenta. Umas preocupadas com as outras e todas de olho nas crianças. Depois, Dilma desceu a rampa e foi cumprimentar as centenas de mulheres que esperavam do lado de fora. A minha esperança que tinha pulado do 12º andar no domingo, voltou a ser criança com o gesto desse abraçaço na Presidenta. Eu não só me senti representada por elas, como também me senti abraçada. O abraçaço serviu como um sussurro nos meus ouvidos. Eu, que estava estatelada no chão, quando indagada novamente, consegui enfim, murmurar devagarinho: Sim! Há ES-PE-RAN-ÇA!

Sigamos cuidando umas das outras e de olho em nossas crianças.

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