Enfrento o desânimo, levanto e vou caminhar. Voltei para o caminho
pedregoso do cerrado. Choveu forte ontem e apagou toda a poeira. A
aragem fria da manhã confirma a mudança de estação. O tempo segue alheio
às minhas angústias. Os cachorros enrodilhados no meio da rua, o pé de
tamarindo carregadinho, de novo. O cheiro de fumaça dos fogões à lenha
se confundem com o cheiro de doce que vem da fábrica. A cidade ainda
dorme, ainda não são seis horas da manhã. Só o som dos meus passos pelo
cascalho. Olho para os meus pés. Lembro do menino me zoando por causa
dos tênis furados.
- Mãe, você precisa de tênis novos.
- Que
nada, menino! Esse ainda dura mais uns 5 anos. Esse furinho aqui, no
dedão, não atrapalha nada não. Se calçar meias pretas nem dá para
perceber.
- Mas mãe, você comprou quando a gente morava em Florianópolis. Deve ter uns 5 anos.
- Foi mesmo. Fui ao shopping com o Vitor, lembra? Era tão interessante sair com ele.
- Sim! Vocês formavam um casal tão esquisito. Ele louro, todo arrumado,
parecia um empresário. E vc, com essas roupas estilo anos 70, sandália
rasteirinha. As pessoas ficavam olhando. Saudades do Vítor.
Os
pintinhos cresceram e a galinha preta, agora, segue acompanhada de
franguinhos que ciscam os montes de lixo. Por entre a cerca, vejo dona
Geralda lavando o bule. O rapaz da casa em frente, com o uniforme da
fábrica de doce, toma café, sem pão. Lembro da música do Criolo: "às 4
da manhã, ele acordou, tomou café, sem pão e foi à rua, pôr o bloco pra
desfilar" ... A senhora da casa da esquina capinou o quintal: ora pro
nobis, cansanção, batata doce, quiabo, couve, cebolinha, andu, laranja,
banana. Aqui, ninguém passa fome não. A flor de seda no alpendre está
florida. Esse povo também tem fome de beleza. O cachorro que outro dia
era um filhotinho, agora dorme fora da gaveta velha, que ficou pequena
pra ele. O sol desponta e tenta romper as nuvens que o escondem. Hoje
não teve espetáculo. O dia parece triste.
- Bom dia, Dalvinha!
- Bom dia!
- Choveu, apagou a poeira e você veio caminhar, né?
- É que tinha mudado meu percurso, só para variar um pouco.
- Ah... Se você tivesse vindo mais cedo, um pouquinho só, teria visto uma revoada de patos selvagens, contei uns 30.
- Pôxa, que pena! Um bom dia pro Senhor.
- Bom dia!
Lá vão as duas irmãs, carregando suas foices e sacolas, buscar lenha. A casa da esquina está com a varanda quase pronta.
- Bom dia!
- Bom dia! Ocê tá sumida, hein?
- É que estava caminhando por outras bandas. Como vai o Senhor?
- Como Deus permite. Essa perna que não ajuda. Tô preocupado com Brasília. Será que vão conseguir tirar Ela?
- Não sei, Seo Pedro.
- O que será de nós? Tava melhorando tanto pra gente. Ocê num acha não? Já ouvi falar que vão mexer nas aposentadorias.
- Pois, é!
O coração aperta e não sei o que dizer para animar o Seo Pedro.
- Um bom dia pro Senhor, viu?
- Bom dia pr'ocê também. Que os céus tenham piedade de nós, porque
daquele povo em Brasília, não dá para esperar boa coisa não. Aquele tal
de Cunha... Só por Deus, viu? Ô homem do capeta.
- Bom dia, Seo Pedro!
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