domingo, 12 de março de 2017

Merece ou não merece?

Hoje eu me emocionei. Tá, não é difícil eu me emocionar. O menino mesmo, que me conhece como ninguém, sempre diz, quando vê alguma coisa que sabe que vai me comover: "cenas inadequadas para mães que choram à toa." É que minha irmã chegou na sala pulando da mesma forma que pulamos quando a Dilma foi reeleita. Contente toda vida ela me mostrou a cópia do Diário Oficial do Município - DOM com a publicação da aposentadoria dela. Mais de duas décadas como professora da rede pública municipal. Detalhe: dois cargos, pois um só não era suficiente para sobreviver com um mínimo de dignidade. Eu chorei, pois além de irmãs somos amigas desde a infância. Cinco anos mais velha do que eu, ela meio que ajudou a cuidar de mim. Foi ela que me apresentou a literatura, a boa MPB, Guimarães Rosa. Aos 12 anos ela já ajudava papai a 'panhar' laranja para vender na CEASA. Aos 13 veio ser babá na capital. Ontem mesmo conversávamos sobre isso. Ela contava que nesta casa, um dia acordou indisposta, febril e que não conseguiu levantar da cama. Passou o dia deitada e só se levantou quando a fome apertou. Foi até a cozinha e comeu uma banana. Depois ouviu a patroa falar com as amigas, que a empregada estava comendo toda a banana da filha. Nossa irmã mais velha, quando soube disso a levou de volta para Baldim. Em Baldim, quando já cursava o ensino médio, foi ser professora na zona rural. Eu a acompanhei muitas vezes. Lembro que voltávamos, a pé, pelo cerrado, cantando MBP4. "Salve, como é que vai", ela cantava. Eu respondia, "Amigo há quanto tempo", "Um ano ou mais"... E assim, esquecíamos do medo das cobras e das onças. Ela jurava que as marcas de pata que víamos no caminho poeirento eram de onça. Maiorzinha, ela também ajudava mamãe a buscar lenha. Segundo ela, isso foi determinante para despertar o desejo de sair de Baldim, uma vez que queria um destino diferente. Queria ser professora de educação física. Anos depois, já em BH, viveu a frustração quando descobriu que o curso era diurno e ela precisava trabalhar. Aliás, trabalhou numa mercearia que existe ainda hoje no bairro onde moramos e numa padaria que já fechou. Depois teve a oportunidade de trabalhar como escriturária, e teve 1 mês para aprender datilografia e participar do processo de seleção. Conseguiu o trabalho, mas o desejo do curso superior a continuou perseguindo. Trabalhou durante quase uma década e decidiu pedir demissão e usar o dinheiro do FGTS para pagar as contas. Foi uma decisão extremamente difícil, que rendeu noites de insônia, pois era abrir mão de um trabalho de carteira assinada, coisa que tinha uma importância enorme para quem viveu abaixo da linha da pobreza. A intenção dela era passar no vestibular para o segundo semestre e assim ter mais um tempinho para juntar mais uma grana. Só que passou para o primeiro. Lembram do menino Ali, do filme "Filhos do Paraíso"? Dividindo com a irmã, o único par de sapatos que tinha, o menino se inscreveu numa corrida, cujo segundo lugar era um par de tênis. Mas, parecido com minha irmã, ele chegou em primeiro. No sexto período minha irmã foi dar aulas como professora designada na rede pública estadual. Já formada, passou no concurso da prefeitura municipal de BH, onde o salário e as condições de trabalho eram melhores. Até hoje, ainda são. Mas um cargo não era suficiente, e ela prestou um segundo concurso. Foram 21 anos como professora de educação física em escolas da periferia da capital, enfrentando todo tipo de adversidade. Agora, aposentada, ela embarca no final do mês, de férias, para Paris, onde vai ficar por 3 meses. Merece ou não merece?

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