domingo, 12 de março de 2017

"Conscerto"

Quero aproveitar estes dias em BH e assistir "Conscerto", com Matheus Nachtergaele. Na peça ele diz os poemas da mãe, morta quando ele ainda era bebê. Matheus conta que quando era adolescente, o pai lhe deu os poemas escritos pela mãe para ele cuidar. Fico imaginando como seria você descobrir, de repente, que sua mãe é poeta. Matheus diz que conheceu a mãe através dos escritos. Eu fico pensando na minha, que não foi alfabetizada. Mamãe tinha muita vergonha de não saber ler. Cheguei a estudar o "Método Paulo Freire" para ensiná-la, mas ela não teve paciência. Lembro da mão desajeitada no trato com o lápis. Era tão difícil que ela chegava a ficar constrangida. O movimento de pinça exigia uma coordenação motora fina que ela não tinha. Era uma mulher da enxada e da foice. Era das pessoas mais inteligentes que eu conheci. Abstraía, construía teorias para explicar o mundo. Uma feminista radical, que morreu dizendo que se papai estivesse no céu, ela queria ir para o inferno, só para não encontrar com ele. Um dia, ela me confessou que seu sonho era ter sido médica. Eu fico pensando como teria sido a vida dela se tivesse aprendido a ler. O que ela leria? Será que gostaria de escrever? Uma pessoa que refletia tanto, que gostava de conversar, de debater, de colocar a gente para pensar. Eu carrego a frustração de não ter conseguido ensiná-la. Uma trabalhadora rural, sem terra, analfabeta, que conseguiu que 6 dos seus 10 filhos cursassem universidade pública. Eu gostava de ler para ela. Li "Só as mães são felizes" da Lucinha Araújo, mãe do Cazuza. Choramos juntas com a narrativa da morte do poeta. Ela também chorou quando li pra ela "poema esquisito" da Adélia. Mamãe não conheceu seu pai, teve uma história difícil com a mãe e quando eu li os versos finais: 
"Ôôôô pai
Ôôôô mãe
Dentro de mim eles respondem
tenazes e duros,
porque o zelo do espírito é sem meiguices:
Ôôôôi fia", ela não aguentou e caiu no choro. Acho que ela nunca ouviu um "ôôôôi fia", pois se casou ainda adolescente, aos 16 anos.
Em dias como o de hoje, quando celebramos a luta das mulheres que vieram antes de nós, muitas anônimas, mas que sustentam os pilares do mundo, eu sinto uma saudade de ter mãe.

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