A casa está tão silenciosa que ouço o ressonar do Scooby aos meus
pés. Vez ou outra ele solta um daqueles suspiros longos que sempre me
impressionam. Dandara e Nala também estão aqui, enrodilhadas. Todos à
minha volta, com exceção da Frida, que deve estar por aí, curtindo a sua
solidão em algum canto da casa.
Do quintal do vizinho chega um
som de enxada batendo na terra. Talvez alguém esteja capinando o mato
que cresceu nesses dias de chuva. Do outro lado da rua alguém começou
alguma pequena reforma, pois chega um som de parede sendo quebrada.
Ainda é cedo para o canto das siriemas no morro, pois elas começam a
cantar sempre por volta das 10h, não me pergunte por quê. Morro, que
aliás, está verdinho por causa das muitas chuvas que caíram neste
janeiro.
O silêncio aguça a
saudade que sinto. Uma saudade estranha dos meus amigos Davi e Roberto.
Davi veio do RJ me visitar. Adoro essas amizades que não medem
esforços. Mal ele chegou, nem bem tirou a mochila das costas e já
começamos o debate. Aquela conversa sem fim que até seca a garganta. Mal
saíamos da mesa do café. Nos dias que esteve aqui, a cozinha esteve
sempre perfumada com o cheiro do capim cidreira, das folhas de laranjas e
de pitanga dos seus chás. Davi com suas comidinhas gostosas, seus bolos
e pães, suas receitas. Davi me ensinando remédios caseiros para tratar
dos carrapatos dos cachorros e das feridinhas no corpo da Frida. Davi e
suas fotos durante a nossa caminhada no final da tarde. Davi, com sua
barba enorme de terrorista (hahaha) chamando a atenção da cidade. Essa
Dalva anda com cada tipo esquisito. Primeiro um "elemento suspeito" em
cima de uma moto que rendeu até enquadro da polícia com direito a arma
em punho e tudo. E agora, esse barbudão aí.
Por falar em
elemento suspeito, Roberto se juntou a nós no domingo e os debates
aumentaram. Já no primeiro ônibus que pegamos começaram as discussões
sobre transporte público e direito à cidade. O jovem noiado que nos
pediu uma moeda na porta da estação do Move rendeu um debate do centro à
Pampulha sobre subalternidade, sujeitos de direitos, ética e liberdade.
Não adianta, é sempre assim. "Amizade é matéria de salvação", já disse a
santa Clarice. E os meus amigos me salvam, sempre!
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