domingo, 14 de fevereiro de 2016

Cartas

Quando a escrita empaca, como empacou nos últimos dias é hora de apelar para os santos e as rezas. Acendi uma vela e peguei os livros de Clarice, santa de minha devoção. Reli "A hora da estrela". Adoro esse livro. Talvez ¨porque o narrador fala da dificuldade de contar sobre sua personagem. É o meu problema mais recente. Empaquei no meio do último capítulo da tese. É neste livro que ela diz que "escrever é como quebrar rochas", mas voam lascas e faíscas e é nelas que me agarro.
Depois, leio as correspondências de Clarice. Ela pede ajuda ao amigo Fernando Sabino. "Me escreva uma palavra amiga, Fernando". Ele aconselha: "saber somente que está escrevendo um livro sobre uma mulher é muito pouco"; Ela responde agradecida: "eu gostaria de dizer alguma coisa para você que lhe servisse como me serviu aquilo que você falou de saber que se está escrevendo uma história sobre uma mulher que ..., e não apenas uma mulher."
Eu empaquei justamente aí, quando tentava finalizar o terceiro pontinho das reticências. Escrevo uma tese sobre uma capitã de congado que...
Clarice também trocava correspondências com Andréa Azulay, uma menina de 9 anos, filha de seu psicanalista. Andrea interpretava os sonhos de Clarice: "olha a parte do sonho de que você partia era que você ficava com medo de alguém, como outra pessoa tomasse seu lugar enquanto você estava longe de todos do Brasil, se esqueciam de você." Clarice dá conselhos à pequena escritora: "não descuide da pontuação. Pontuação é a respiração da frase. Uma vírgula pode cortar o fôlego. É melhor não abusar de vírgulas."
Eu sempre abuso de vírgulas...
Quero uma menininha de 9 anos para interpretar meus sonhos, quero me corresponder com Clarice e Fernando e contar dos meus personagens...
Fernando Sabino, em outra carta, dizia que estava "mata-não-mata" uma personagem só para terminar um livro. Clarice, angustiada, não conseguia escrever: "não trabalho mais, Fernando. Passo os dias procurando enganar minha angústia e procurando não fazer horror a mim mesma. (...) Caí inteiramente e não vejo um começo sequer de alguma coisa nascendo."
Saudades dos tempos em que escrevíamos cartas...

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