quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Sábado

sábado era sempre um grande movimento. dia de mamãe lavar as roupas, de limpar a casa, de varrer o quintal. um quintal que naquela época, aos nossos olhos de criança, parecia enorme. emburrados com o trabalho que nos roubava as brincadeiras, dividíamos o espaço, e cada um varria uma pequena parte. mamãe era muito caprichosa. fervia e quarava as roupas brancas. "o sol faz milagres", ela dizia. "tira todas as manchas". quarar as roupas era tão importante, que tínhamos até um quarador de tela, suspenso por pés de madeira. mamãe nos mandava buscar cavacos de eucaliptos e gravetos no campo para, num tacho de cobre, ferver as roupas brancas. numa trempe improvisada no quintal,ela ficava lá, ao lado, revirando as roupas ferventes com um pedaço de pau. depois de enxaguar por quatro vezes e colocar o anil na última água, as roupas eram estendidas no varal. mas, não de qualquer jeito. mamãe tinha uma estética precisa: primeiro, as roupas brancas, que iam seguindo em tons degradês. primeiro as calças, as bermudas, até chegar nas calcinhas e nas cuecas.depois os vestidos, as saias, as camisas de manga comprida, de manga curta, até chegar nas camisetas. primeiro, as roupas dos adultos, depois as das crianças. ela odiava o estrago que a fumaça do fogão a lenha deixava nas paredes e por isso, buscava barro no córrego para passar sobre o preto da fumaça até a cozinha ficar branquinha novamente. era uma disputa inglória, mas ela incansável, não desistia. aos sábados, todas as vasilhas de alumínio da prateleira tinham que ser areadas com bucha vegetal e areia fina. o sabão era ela mesma quem fazia. os forrinhos eram todos trocados. assim como as colchas das camas, feitas de saco de algodão alvejado e bordados a mão. sempre os mesmos motivos florais. o miolo das flores de amarelo, as pétalas vermelhas e as folhas e os caules verdes. daria meu mundo para ter, hoje, novamente, uma colcha daquelas. o chão, de cimento vermelho era, semanalmente, encerado com cera inglesa pastosa, derretida no fogo, que, depois de seca tinha que ser lustrada com um pano felpudo, já que não tínhamos o esfregão, irmão mais velho da enceradeira. só depois de tudo limpo é que podíamos brincar. "primeiro a obrigação, depois a devoção", ela dizia. mamãe tinha fome de beleza. era onde residia a poesia dela, no jeito de cuidar da casa. que saudade de ter mãe...

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