quinta-feira, 20 de agosto de 2015

"Uma viagem inventada no feliz"

Meu irmão chegou ontem, de viagem. Eu ansiosa, querendo saber como tinha sido a experiência de viajar pela primeira vez de avião. O entusiasmo dele me fez lembrar do conto "As margens da alegria", de Guimarães Rosa. No conto, um menino viaja de avião, também pela primeira vez. Para nós, que tivemos acesso a esse direito há tão pouco tempo, até o 'afivelar do cinto vira afago'. Meu irmão viajou com a filha, que há tempos calculava tudo: dia dos pais, jogo do galo no Serra Dourada, ela de férias... por que não levar o pai para ver o jogo? Quantos coelhos não matariam com uma cajadada só? Como ela já tinha vivido a experiência, deixou o 'lugar da janelinha' para o pai. Quando ele chegou, eu quis saber de todos os detalhes: as comissárias de bordo, da cara feia da filha quando ele disse que queria um de cada, daqueles pacotinhos minúsculos de bala e biscoitos da Azul. Eu dei uma força: 'Não ligue, Zé! Eu também sempre pego um de cada e ainda trago para o menino'. Mas o que encantou mesmo meu irmão foi 'o chão plano em visão cartográfica'. Motorista de profissão, ele já viajou muito e reconhecer os lugares onde já esteve, lá de cima, foi uma experiência surpreendente. Ele acompanhou toda a viagem no mapa da tv, à sua frente. Falava com entusiasmo de ter localizado a BR 040, a fábrica da Iveco, o Rio São Francisco, a represa de Três Marias, a Serra do Cipó e até a Serra de Baldim. Achou a viagem rápida demais, queria ficar mais tempo no ar, 'no macio rumor do avião', nas 'nuvens de amontoada amabilidade'. Ontem, quando ele chegou, mostrei o sucesso que fez a foto dele no avião. Vi, que ele reviveu toda a emoção sentida na companhia da filha. Li cada comentário que meus amigos postaram na foto. Com a marmita de comida na mão, ele não saía da frente do computador. Ficou parado em frente à tela um tempão, olhando a foto, visivelmente emocionado. Engoliu o choro, pegou sua marmitinha com a janta e foi comer no barracão, no fundo do quintal, onde ele dorme. Parafraseando Guimarães Rosa, 'está é a estória' de um pai com sua filha e uma 'viagem inventada no feliz'.

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