sábado, 1 de agosto de 2015

Oração

o dia amanheceu  com um céu escandalosamente azul e sem uma nuvenzinha sequer. a amiga convidou para o sítio: "tenho muito trabalho, mas a preferência, hoje, é para os amigos, venha!". recusei, não posso! sei que a vida lá fora explode em bombas e em dádivas de toda natureza, drummond já me contou. mas hoje, a minha luta é com as palavras. preciso arrancar mais um capítulo dessas páginas em branco. vou até o meu altar particular, ajeito a foto de  santa clarice e a de são joão guimarães rosa. acendo uma vela. de um lado, abro um livro de adélia; do outro, um de drummond.  leio em voz alta "o lutador" e "antes do nome". esta é minha oração. adélia, com a calma que lhe é frequente, sussurra:  pegar a palavra na mão, tal qual um peixe vivo, é coisa infrequentíssima. drummond ratifica: algumas palavras são fortes como um javali, outras precisam ser enlaçadas, seduzidas, gostam de carícia. é preciso humildade para persuadi-las, algumas são sistemáticas, viram-nos o rosto. fruir a essência de cada palavra é um duelo. adélia insiste: mais que a palavra, o que importa mesmo é a sintaxe. a palavra é apenas disfarce. e assim sigo, sem zanga ou desgosto, sem queixume, até que o ciclo do dia se conclua.

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