sábado, 1 de agosto de 2015

Carta

Baldim, 23 de abril de 1980.

Oi mãe,
Como estão as coisas por aí? Por aqui, só saudades. Demais... Da Senhora e dos meninos. Todos... Penso, penso e não consigo achar uma solução. Como vamos viver assim, mãe? Vocês longe, e eu aqui, sozinha com o vovô? Eu tento esconder, mas ele percebe a minha tristeza. É anoitecer e eu me enfio embaixo das cobertas, para dormir logo e para chegar o dia seguinte logo e o tempo passar bem rápido e chegar novamente o dia de ir visitar vocês. Vovô disse que vai comprar uma televisão para eu me distrair. Tadinho, mãe... A aposentadoria dele não dá pra comprar nem um fogão a gás, que eu sonho há anos, quanto mais uma TV, que é muito mais caro. Quando chove, colocamos a lenha pra dentro de casa, porque acender fogo com lenha molhada, ninguém merece, né? A Senhora sabe bem do que estou falando. A cozinha fica meio bagunçada e a Senhora sabe como eu sou chata com arrumação, mas fazer o quê, né? Mãe, por que que tem que ser assim? Por que não podemos ficar todos juntos, conviver? Não existe a menor possibilidade de vovô mudar para Belo Horizonte mãe, ele não aguentaria. E as criação? As galinhas, os porcos? A plantação de fumo? A Senhora acha que ele aguentaria ficar sem isso? Por falar nisso, a plantação de fumo deu bastante esse ano, quase não teve pulgão nas folhas. Eu ajudei ele a fiar e rendeu bastante. Fiamos também fumo preto. Quando eu for, mês que vem, vou levar um pedaço para a Senhora experimentar. Mãe, outro dia o vovô passou mal. Eu tive que ir correndo chamar o Iton para vir socorrer ele. Sempre que ele adoece, eu vou até a igreja, rezo e faço promessa. Dessa vez, não fui, mãe. Por favor, não conte isso pra ninguém, só tenho coragem de contar pra Senhora. Das outras vezes que ele adoeceu, ela ia melhorando, e eu ia ficando alegre, assim, junto. Dessa vez mãe, a melhora dele foi me dando uma tristeza. Sabe por que, mãe? Porque só vejo possibilidade de mudar para Belo Horizonte e ficar junto de vocês, quando ele morrer. Isso não é terrível, mãe? Mãe, reze por mim. Não esqueça de acender a vela em intenção do meu anjo da guarda. Não esqueça do meu segredo. Peça a quem ler a carta para a Senhora, para não contar isso pra ninguém. Por favor, mãe. Eu tenho muita vergonha desse sentimento. Só estou escrevendo isso, porque além de mãe, a Senhora é também minha amiga. Fica com Deus.
Bença.

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