domingo, 2 de agosto de 2015

Pré-texto

Sentada na mesa da cozinha me esforço para concentrar na leitura, buscando inspiração para a escrita. Os cadernos e livros se misturam com o bolinho de cenoura com cobertura de chocolate que fiz para o menino forrar o estômago, antes de ir para a escola.  A mesma janela azul onde mamãe se debruçava com as mãos no queixo, observando o movimento da rua está aberta. Agora, quem olha através dela sou eu. A madeira azul, já gasta pelo tempo, define a moldura de um quadro por onde vejo o que restou dos pezinhos de quiabo que plantei. Eles praticamente não produzem mais, mas eu ainda não tive coragem de arrancá-los. Depois do muro vejo o troca-troca de passarinhos pousando no emaranhado de fios da rede elétrica. Vejo também uma parte do telhado da casa que foi da Dona Maria do Heitor. Depois do telhado vejo o morro e a estrada poeirenta nesses tempos de falta de chuva.  Vez ou outra, sobe ou desce um carro levantando a poeira do caminho.  Por aqui tudo gira lentamente, me dando a impressão que,  a vida mesmo, "explode em bombas e dádivas de toda espécie" é depois do morro. Essas "confissões" sem importância nenhuma, são na verdade, pré-textos/pré-tese, uma espécie de oração para iniciar a escrita. Sem esse exercício eu não consigo sair do lugar.

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