sábado, 29 de abril de 2017

Aula

Cerca de 24 horas depois, eu ainda estou tomada pelo dia de ontem. Deu o início da aula e a pessoa responsável pelas chaves da nossa sala havia se atrasado. Alguém sugeriu irmos para o "Jardim das Mandalas", um cantinho aconchegante de flores e ervas construído pela educação indígena e quilombola na Faculdade de Educação da UFMG. Com a autorização do moço que aguava o jardim, nos acomodamos em cadeiras e esteiras. Ajeitamos nosso café em cima do fogãozinho a lenha construído no local e iniciamos a aula. Thamires e Alice assumiram a condução do primeiro texto sobre juventudes. A segunda parte foi de responsabilidade da Hanna e da Paula. Thamires, intuitiva do jeito que é, percebeu logo meu olhar diferente e indagou porque eu a olhava daquele jeito. Expliquei que era admiração por tanta sabidice em menina tão nova. Gabriel sentia o chão de terra batida, recém-aguado, sob os pés; os tênis ficaram abandonados num canto. Além da música suave, que rolava ao fundo vindo não sei bem de onde, tivemos a companhia de pardais, bem-te-vis e até um sanhaço azul. Tinha uma energia diferente ali, com a potência daquela natureza toda à nossa volta. Penso que também estava naquele chão batido, por tantos pés pisado e nas paredes de barro que carregam a energia de todos e todas que ajudaram a erguê-las. Aquele jardim carrega história. Como nos ensina Bertolt Brecht, são as marcas que conferem nobreza aos objetos. E os daquele local são objetos felizes porque foram colhidos por muitas mãos, o chão foi pisado por muitos pés. Cada pezinho de erva e cada flor naquele local carrega história e energia e pudemos sentir tudo isso, ontem. Paramos para o café que tem sido um dos momentos mais legais das nossas aulas. Aprendi com capitã Pedrina e com os reinadeiros de Nossa Senhora do Rosário que o encontro fica melhor quando tem comida. Um cafezinho quentinho, uma broa de fubá. Eu levo o café e as canequinhas [preciso comprar mais, pois estão poucas] e sempre aparecem biscoitos, bolos, pães. Nem precisamos combinar, alguém sempre leva. O segundo tempo da aula não foi suficiente. Com alguns alunxs continuamos a conversa no almoço e depois do almoço. Tem sido assim, toda semana. Outro dia ficamos de 11:30 até às duas, falando de tudo, dos textos lidos, de astrologia, de filhos... A aula de ontem foi potente, teve emoção, teve choro. Até Bourdieu e sua sociologia da educação ficou didático. Como diz minha amiga Gloria Diogenes, "no vácuo, nas brechas e nos vazios é possível levantar um novo chão". E assim sigo, nesse trabalho de formiguinha, fazendo minhas micro revoluções. A sala de aula é um espaço onde me reinvento todos os dias. É lugar de encontro, de diálogo, de afeto, de conflito. É na sala de aula que exerço a minha humanidade, é onde sou chamada a rever minha prática, com os meninos e meninas me colocando pra pensar, me instigando, me ensinando coisas novas, com aquela energia própria da juventude. É local onde se assenta a tríade: pensar/sentir/fazer. Este exercício do qual nos fala o professor José Jorge de Carvalho e que é deveras bonito: "Pensar e sentir o que faz; fazer o que pensa e o que sente; sentir o que faz e o que pensa." A condição docente é relacional, já dizia Inês Teixeira, minha professora e musa inspiradora, mas a comunicação às vezes não é fácil de acontecer. É trabalho de estiva, diz a cineasta Ana Carolina. Às vezes demoramos uma vida inteira pra aprender a falar a nosso própria língua, nos fazer entender, conseguirmos nos expressar. A não expressão é o hospício, ela diz. Mas construir o próprio dialeto não é tarefa fácil. A cineasta usa a metáfora de uma caixa de concreto onde se está preso. A ruptura dessa caixa é resultado de trabalho árduo, que às vezes pode levar anos, é "estiva" como ela mesma diz, não tem nada de glamour. Mas não há outra saída: ou conseguimos nos expressar ou é a loucura! Ontem, foi um daqueles dias que a comunicação rolou! Segundo o ator João Miguel, quando alguém fala e o outro é tocado é porque se estabeleceu ali, um canal, que na minha opinião, é da ordem do divino, do sagrado. Por isso, sou devedora aos meus alunos e alunas e, parafraseando mais um grande mestre - Levi-Strauss, de vocês quero ser discípula e testemunha ... Sempre! Gratidão

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