segunda-feira, 2 de abril de 2018

Bastardos

Eu iniciei o doutorado em março de 2011, há 7 anos, portanto. E fico pensando em como tudo mudou nesse tempo. Li, agora à pouco, a carta que Marielle Franco escreveu para os "Bastardos da Puc" um coletivo de negros, pardos e bolsistas da Instituição (http://piaui.folha.uol.com.br/aos-bastardos-da-puc-com-carinho/). Logo no começo da carta ela adverte aos alunos das inúmeras dificuldades que encontrarão no mundo acadêmico, mas que eles não devem temer. Ela dá o exemplo de professores que dão textos e filmes sem tradução, e não tive como não lembrar do meu primeiro semestre no doutorado e do que passei, exatamente, por ter muita dificuldade em ler inglês. E quando me posicionei falando da minha dificuldade, fui chamada de vitimista pelo professor. Marielle, na carta aos "bastardos", diz que "apresentar para quem quer que seja a nossa realidade concreta não é ser vitimista". Lembro que na primeira reunião de estudantes para discutirmos a situação das bolsas, ouvi de uma colega que ali não era espaço para discussão de questões individuais. Respondi que o fato do meu filho, à época com 8 anos, ficar sozinho em casa enquanto eu estudava não era um problema individual, mas social. Isso foi há 7 anos. Hoje eu teria muito mais argumentos e mais consistentes para questionar o professor que me humilhou e a minha colega. Penso que alguma coisa se deslocou e os estudantes negros e pobres que estão, hoje, na universidade estão muito mais empoderados. Eu, como Marielle e tantas outras mulheres, vivia o drama de ser mãe solo e estudante. Quantas vezes o menino foi comigo pra universidade, juntou duas cadeiras e dormiu, enquanto eu assistia aula. Dia desses, numa reunião de um grupo de estudos que faço parte na UFMG, encontrei com uma amiga, também negra, que me deu um longo abraço apertado, enquanto dizia da alegria de me encontrar ali. Ela não precisou dizer mais nada, ficamos longos segundos acalentadas naquele abraço porque conhecemos o sentimento uma da outra e sabemos das dificuldades de adentrarmos espaços que historicamente nos têm sido negados. Como disse a Marielle na carta aos "Bastardos" a simples presença de nossos corpos negros na universidade já é um ato de resistência. Sigamos

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