segunda-feira, 2 de abril de 2018

Agora é tarde...

Hoje foi um dia difícil. Passei a manhã acompanhando o menino numa seleção para uma vaga de menor aprendiz. Me vi, novamente, em plena década de 1980, aos 14 anos, sem formação e sem experiência, andando sozinha para tirar documentos, morrendo de medo de me perder na cidade grande. A diferença é que agora eu acompanhava o menino. Ele é a sexta geração desde a velha Filomena, minha tataravó, negra escravizada, que foi até onde consegui chegar na minha genealogia. Seis gerações depois, um adolescente, a ponto de completar 16 anos, sonha com um emprego e não pode só se dedicar aos estudos, porque a mãe, mesmo tendo doutorado, ainda não consegue proporcionar a ele um monte de coisas que ele deseja e precisa. Durante a entrevista, a psicóloga perguntou: Qual a profissão de seu pai? Músico; e da sua mãe? Antropóloga. E você, que curso quer fazer? Cinema. Um menino que curte Cartola e que quer fazer Cinema, pleiteando vaga de empacotador de supermercado. Seis gerações depois e ainda não conseguimos vencer a pobreza. Enquanto aguardávamos a vez de sermos atendidos, eu lembrava do sociólogo francês Pierre Bourdieu e sua teoria da reprodução, e da frustração que foi na França, na década de 1960, a geração que teve acesso à educação, mas não melhorou economicamente. E o que você quer fazer com o salário que vai ganhar? A psicóloga perguntou. Bom, quero um 'boot' novo [ele sonha com um nike air max e sabe que eu não compraria nem se tivesse o dinheiro] e um bom microfone para gravar meus raps. Eu, que ontem fiz prova para um concurso onde cada candidato disputava com outros 1563 cada vaga disponível, disse a ele que precisamos combinar as respostas dessas entrevistas, que se ele quer a vaga precisa falar o que o outro quer ouvir. Que 'se pá', não vai poder falar com a psicóloga como se tivesse conversando com um colega na escola, 'tá ligado'? Ele disse que ficou tenso, pedindo às deusas que não me deixassem começar a problematizar as bobagens que a psicóloga falava. Depois da entrevista falei pra ele do meu incômodo, ao ver um menino sensível, antenado, consciente, pleiteando vaga para empacotador em supermercado. Não, mãe! Se eu arrumar uma vaga de empacotador vou dar o melhor de mim, porque essa grana é para investir nas coisas que eu desejo e sonho e eu sei que será temporário. A minha sorte é que o menino é bem humorado e, durante o almoço, fizemos piada e rimos das nossas pequenas tragédias. Ainda tivemos que comprar, às pressas, uma cola super bonder porque o nike que ele usava começou a descolar e ele tem o maior xodó com o tênis falsificado, igualzinho ao do ídolo Djonga, o rapper. Sentamos na praça e enquanto ele, com o boot na mão esperava a cola fazer efeito, eu lia poemas de Conceição Evaristo pra ele. Fico pensando se estou educando ele de forma correta e brinquei se não seria melhor aprendermos a fazer artesanato e ir vender arte na praia. Mas agora, aos 50 anos, como diz o Quintana, é tarde demais para ser reprovada. Ou como diz Adélia, não posso mais fazer curso de dança, escolher profissão, aprender a nadar como se deve.

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