Segundo o historiador, Sérgio Buarque de Holanda, a necessidade de
confissão é uma doença moderna, que pela palavra e pela sintaxe, condena
à morte, todos os sentimentos que nos oprimem. Foucault também escreveu
sobre isso. Para o filósofo, o homem ocidental é um homem confidente
que possui uma necessidade de verdade e uma vontade de saber. Fernando
Pessoa traduziu poeticamente. Para ele, quando confessamos o que
sentimos, diminuímos a febre de sentir. Santo Agostinho também escreveu
suas confissões num livro que há anos está na lista daqueles que quero
ler, mas que nunca consegui avançar além das primeiras páginas. Darcy
Ribeiro, por sua vez, me emocionou com suas confissões, escritas numa
urgência de quem aguardava a morte, já com um câncer em estado terminal.
Aliás, foi inspirada neste livro, que devorei em alguns dias, que em
2009, durante a escrita da minha dissertação, resolvi criar este blog.
Dei o nome de "confissões" em homenagem ao Darcy. A literatura e a
poesia sempre me desviaram dos textos acadêmicos e, durante o mestrado,
quando empacava com a escrita, ia para o blog, com a desculpa de me
inspirar, e escrevia por puro prazer. Depois ele ficou esquecido, e só
esporadicamente eu passava aqui, para tirar a poeira. Em 2011, criei uma
conta no facebook e passei a confessar por lá, minhas angústias. Às
vezes, queria recuperar um ou outro texto que tinha escrito e ele se
perdia no buraco negro que é o face. Em 2015, já morando aqui, em
Baldim, reativei o blog. De fevereiro a dezembro foram mais de 70 posts,
numa espécie de catarse por estar de volta à minha patriazinha, morando
na casa que foi de minha mãe. Eu chamava minhas confissões de
"pré-textos/pré-tese", já que acreditava que eram desculpas para não
escrever a tese. O ano ainda não terminou e já foram mais de 100
pequenos textos escritos. O interessante é que terminei a tese, mas os
textos continuam. Minha desculpa, agora, é que a escrita funciona como
uma espécie de reza, antes de começar o dia. É quase uma necessidade
fisiológica. Com Adélia aprendi que pegar a palavra na mão, tal qual um
peixe vivo, é coisa infrequentíssima. Drummond me ensinou que algumas
palavras são fortes como um javali, outras precisam ser enlaçadas,
seduzidas, gostam de carícia. É preciso humildade para persuadi-las,
algumas são sistemáticas, viram-nos o rosto. Fruir a essência de cada
palavra é um duelo, diz o poeta. Para Adélia, mais que a palavra, o que
importa mesmo é a sintaxe, pois a palavra é apenas disfarce. Virgínia
Woolf me ensinou que é preciso algum dinheiro e um teto todo seu para a
mulher conseguir escrever. Com Carolina Maria de Jesus aprendi que é
possível escrever sentada no quintal, com um pedaço de carvão e papel de
pão. Clarice escrevia com um filho em uma perna e a máquina de escrever
em outra. Com Conceição Evaristo aprendi que essas confissões são na
verdade, escrevivências. Com Glória Anzaldúa que a mulher que escreve
tem mais poder e que é preciso colocar as tripas no papel E assim,
sigo... E, quando me falta o ar, lembro de Adélia e ao procurar palavras
para narrar a minha angústia, eu já respiro melhor.
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