sábado, 24 de setembro de 2016

Para respirar melhor

Segundo o historiador, Sérgio Buarque de Holanda, a necessidade de confissão é uma doença moderna, que pela palavra e pela sintaxe, condena à morte, todos os sentimentos que nos oprimem. Foucault também escreveu sobre isso. Para o filósofo, o homem ocidental é um homem confidente que possui uma necessidade de verdade e uma vontade de saber. Fernando Pessoa traduziu poeticamente. Para ele, quando confessamos o que sentimos, diminuímos a febre de sentir. Santo Agostinho também escreveu suas confissões num livro que há anos está na lista daqueles que quero ler, mas que nunca consegui avançar além das primeiras páginas. Darcy Ribeiro, por sua vez, me emocionou com suas confissões, escritas numa urgência de quem aguardava a morte, já com um câncer em estado terminal. Aliás, foi inspirada neste livro, que devorei em alguns dias, que em 2009, durante a escrita da minha dissertação, resolvi criar este blog. Dei o nome de "confissões" em homenagem ao Darcy. A literatura e a poesia sempre me desviaram dos textos acadêmicos e, durante o mestrado, quando empacava com a escrita, ia para o blog, com a desculpa de me inspirar, e escrevia por puro prazer. Depois ele ficou esquecido, e só esporadicamente eu passava aqui, para tirar a poeira. Em 2011, criei uma conta no facebook e passei a confessar por lá, minhas angústias. Às vezes, queria recuperar um ou outro texto que tinha escrito e ele se perdia no buraco negro que é o face. Em 2015, já morando aqui, em Baldim, reativei o blog. De fevereiro a dezembro foram mais de 70 posts, numa espécie de catarse por estar de volta à minha patriazinha, morando na casa que foi de minha mãe. Eu chamava minhas confissões de "pré-textos/pré-tese", já que acreditava que eram desculpas para não escrever a tese. O ano ainda não terminou e já foram mais de 100 pequenos textos escritos. O interessante é que terminei a tese, mas os textos continuam. Minha desculpa, agora, é que a escrita funciona como uma espécie de reza, antes de começar o dia. É quase uma necessidade fisiológica. Com Adélia aprendi que pegar a palavra na mão, tal qual um peixe vivo, é coisa infrequentíssima. Drummond me ensinou que algumas palavras são fortes como um javali, outras precisam ser enlaçadas, seduzidas, gostam de carícia. É preciso humildade para persuadi-las, algumas são sistemáticas, viram-nos o rosto. Fruir a essência de cada palavra é um duelo, diz o poeta. Para Adélia, mais que a palavra, o que importa mesmo é a sintaxe, pois a palavra é apenas disfarce. Virgínia Woolf me ensinou que é preciso algum dinheiro e um teto todo seu para a mulher conseguir escrever. Com Carolina Maria de Jesus aprendi que é possível escrever sentada no quintal, com um pedaço de carvão e papel de pão. Clarice escrevia com um filho em uma perna e a máquina de escrever em outra. Com Conceição Evaristo aprendi que essas confissões são na verdade, escrevivências. Com Glória Anzaldúa que a mulher que escreve tem mais poder e que é preciso colocar as tripas no papel E assim, sigo... E, quando me falta o ar, lembro de Adélia e ao procurar palavras para narrar a minha angústia, eu já respiro melhor.

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