quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Resiliência

"O sonho é um tempo onde as mina não tenha que ser tão forte" (Emicida)
Hoje bateu cansaço! Não é sempre que ele bate.
Ontem, uma amiga postou uma entrevista da escritora Conceição Evaristo na rádio CBN e eu fui ouvir. Duas coisas me incomodaram. A primeira foi que Conceição foi convidada não para um programa de literatura - embora falasse o tempo todo de seus livros, mas para um programa sobre como envelhecer bem, "50 mais". Só isso já é motivo para refletirmos.
O segundo incômodo foi os repórteres procurarem o tempo todo ressaltar a resiliência (odeio essa palavra) da escritora. Tipo, "olha, ela é negra, nasceu numa favela e conseguiu"; "Olha, ela sofreu pra caralho, mas não é uma pessoa amarga, veja como ela é de bem com a vida."
O velho e odioso discurso da meritocracia.
Conceição, com doçura (ela fala com doçura, como a mãe do conto de Adélia), ressaltou que sua trajetória é na verdade exceção. Que foi foda! Que ouviu desestímulo de muito/a professor/a, tipo, "você vai ter que optar entre trabalhar ou estudar". Eu também ouvi muito isso no meu período de graduação.
Com uma filha especial, que nasceu enquanto estudava, Conceição levou 14 anos para concluir sua graduação. 14 anos! Durante o mestrado perdeu o marido e no doutorado teve uma isquemia. E ainda enfrentou o incômodo de colegas e professores por ser uma jovem senhora, mãe de filho, com idade bem acima da média dos outros estudantes, em sala de aula. Sei bem o que é isso.
Seus livros foram publicados com dinheiro do próprio bolso e só agora, aos 70 anos, Conceição afirma estar colhendo alguns frutos deste investimento. "Becos da memória" esperou 20 anos para ser publicado e para publicar "Ponciá Vicêncio", Conceição recorreu a um empréstimo, ficando, segundo ela, 1 ano no vermelho,
A escritora disse que não quer ser usada como exemplo, que sua trajetória confirma a regra, comprovando como a sociedade brasileia é injusta e cruel. Ela lembrou a trajetória de outra escritora negra, favelada, Carolina Maria de Jesus, e ressaltou que para os escritores brancos tudo vem mais cedo e mais fácil.
Conceição lembrou de um tio que sempre lhe dizia: "Olha, estuda. Cada passo que você der, você carrega atrás de si os nossos antepassados, que escravizados, não puderam realizar o seu destino". Mas se para uma parcela enorme da população não estudar significa estar fora, para esta mesma parcela, estudar não é garantia de nada. Resistir por 70 anos para colher os frutos. Putaqueopariu, eu completei 50. Ainda falta um bocado.
Como a mãe de Conceição, a minha também era analfabeta e por nunca ter sentado numa carteira escolar, carregou consigo a frustração de não ter podido nem cogitar a realização do desejo de ser médica.
Nestes momentos de cansaço e desânimo eu busco em algum lugar dentro de mim, a força ancestral que Conceição diz existir e "em tudo eu vejo a voz de minha mãe", como nos diz o rapper Emicida. Mas penso também, com um outro rapper, o Criolo, que "não é preciso sofrer pra saber o que é melhor pra você".
Resiliência é o caralho. A sociedade é desigual,injusta e racista, porra!
Vou fazer o almoço, porque daqui a pouco, o menino chega com fome.

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