sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Só a arte nos salva

Gosto de setembro com seus dias mais longos. 5:30 da manhã e o dia já está claro. Mudei o trajeto da caminhada para evitar o moço que resolveu me assediar. Só porque eu dava "bom dia" se achou no direito de engraçar comigo. Não cumprimento mais! Nem caminhar sossegada a gente pode. Segui rente ao pasto. Mesmo com a pouca chuva, os pés de gabiroba estão carregadinhos de flor, se destacando no meio do cerrado seco. Essas horinhas de descuido me fazem esquecer da brutalidade desses tempos. Encontro com as irmãs indo buscar lenha. Todo dia, mesmo horário, faça frio ou calor, esteja o dia escuro ou claro, lá vão elas. Lenços protegendo os cabelos, sacola com as rodilhas para amortecer o peso na cabeça, foice na mão. Já de pé, o pai pelejando com o fogão a lenha para preparar o café dos filhos, que de uniformes e cabelos penteados esperam. O maiorzinho chegando apressado com a sacola de pão. Os cachorros, alertas, aguardando uma frepinha. As labaredas do fogão podem ser vistas da rua. Lembrei de Carolina Maria de Jesus: "Casa que não tem lume no fogo fica tão triste. As panelas fervendo no fogo também servem de adorno, enfeitam o lar." Quando cheguei em casa fui ler "Quarto de despejo:
"À noite, enquanto elas pedem socorro, eu tranquilamente no meu barracão ouço valsas vienenses"; Carolina ouvia valsas vienenses pelo radinho de pilha. "Aproveitei a minha calma interior para eu ler. Peguei uma revista e sentei no capim, recebendo os raios solar para aquecer-me. Li um conto. Quando iniciei o outro, surgiu os filhos pedindo pão."; A leitura sempre interrompida pelas obrigações de mãe. Quem tem fome não pode esperar. "Ela odeia-me porque os meus filhos vingam e por eu ter rádio." Além dos livros e dos cadernos onde escrevia sem parar, Carolina também tinha outro bem precioso: o rádio.

Música... Literatura... Era o que libertava Carolina.
Só a arte nos salva nas horas brutas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário