Gosto de setembro com seus dias mais longos. 5:30 da manhã e o dia já
está claro. Mudei o trajeto da caminhada para evitar o moço que
resolveu me assediar. Só porque eu dava "bom dia" se achou no direito de
engraçar comigo. Não cumprimento mais! Nem caminhar sossegada a gente
pode. Segui rente ao pasto. Mesmo com a pouca chuva, os pés de gabiroba
estão carregadinhos de flor, se destacando no meio do cerrado seco.
Essas horinhas de descuido me fazem esquecer da brutalidade des
ses
tempos. Encontro com as irmãs indo buscar lenha. Todo dia, mesmo
horário, faça frio ou calor, esteja o dia escuro ou claro, lá vão elas.
Lenços protegendo os cabelos, sacola com as rodilhas para amortecer o
peso na cabeça, foice na mão. Já de pé, o pai pelejando com o fogão a
lenha para preparar o café dos filhos, que de uniformes e cabelos
penteados esperam. O maiorzinho chegando apressado com a sacola de pão.
Os cachorros, alertas, aguardando uma frepinha. As labaredas do fogão
podem ser vistas da rua. Lembrei de Carolina Maria de Jesus: "Casa que
não tem lume no fogo fica tão triste. As panelas fervendo no fogo também
servem de adorno, enfeitam o lar." Quando cheguei em casa fui ler
"Quarto de despejo:
"À noite, enquanto elas pedem socorro, eu
tranquilamente no meu barracão ouço valsas vienenses"; Carolina ouvia
valsas vienenses pelo radinho de pilha. "Aproveitei a minha calma
interior para eu ler. Peguei uma revista e sentei no capim, recebendo os
raios solar para aquecer-me. Li um conto. Quando iniciei o outro,
surgiu os filhos pedindo pão."; A leitura sempre interrompida pelas
obrigações de mãe. Quem tem fome não pode esperar. "Ela odeia-me porque
os meus filhos vingam e por eu ter rádio." Além dos livros e dos
cadernos onde escrevia sem parar, Carolina também tinha outro bem
precioso: o rádio.
Música... Literatura... Era o que libertava Carolina.
Só a arte nos salva nas horas brutas.
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