terça-feira, 4 de outubro de 2016

Uma esperança pousou em mim, uma flor brotou no asfalto

Fui dormir às 2 horas da manhã, ainda excitada com a vitória de Áurea Carolina. Nada conseguiu tirar minha alegria. Áurea Carolina, essa preta linda, já chegou fazendo história: a vereadora mais votada de todos os pleitos municipais da capital. Mas ela não chegou agora, ela já está aí, faz é tempo.
Acordei pensando em Clarice:
'Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: "e essa agora? que devo fazer?" Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim." (Clarice Lispector, Uma esperança).
Uma flor nasceu em mim...
Clarice me salvando, como sempre...
Lembrei também de Drummond:
'Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."
Áurea se forjou nas ruas da metrópole. No movimento hip hop, nas ocupações urbanas, no movimento estudantil. Quando resolvi publicizar o meu voto, o pai do menino me disse: "Que legal, Dalva! Conheci Áurea Carolina, em 2003, no congresso da UNE, em Recife." Congresso que teve em sua abertura, o então ministro da cultura do governo Lula, Gilberto Gil. Lembro até hoje do discurso dele: "o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe."
13 anos atrás e Áurea, em Recife, ouvindo discurso de Gilberto GIl.
"Nossos passos vem de longe"...
"O sistema é bruto e o processo é lento."
O vídeo da campanha de Áurea passou várias vezes por minha timeline até eu resolver assistir. E quando assisti, pirei! Um monte de mulher preta, foda, rappers que admiro, algumas gravando em estúdio, com seus filhos no colo. Áurea saindo do subterrâneo do metrô na Praça da Estação. Um clip esteticamente muito atraente. Já fiquei balançada. Não conhecia Áurea. Depois, vi o vídeo da escritora Cidinha da Silva, que admiro e respeito demais, falando a respeito de Áurea. Ali, comecei a me decidir. Mas vieram outros, o professor Juarez Dayrell, os músicos Maurício Tizumba e Sérgio Pererê, a atriz Grace Passô, dentre tantas outras pessoas legais que admiro.
Me decidi! E desde que percebi que formo opinião, ainda que restrita ao meu mundinho, penso que tenho obrigação moral de me posicionar. A cada vez que ouvia Áurea falando em seus vídeos de campanha, mais certa ficava do meu voto.
E foi com uma alegria imensa no coração, que saí ontem de Baldim, para vir para BH. Sempre fico muito emocionada quando vou votar, nervosa até.Tenho medo de fazer alguma coisa errada e anular o meu voto. Mas não teve erro. Nem precisei de colinha. 50, o número do PSOL; e 180, o número para denunciar violência contra a mulher. Lembram da Elza Soares?
"Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar...
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim"...
Quando comecei a acompanhar o resultado oficial do TSE, às 17h, Aurea já começou na 27a posição. Depois pulou para 17a, 2a, 1a e nao saiu mais dali. Foi uma alegria imensa e eu chorei de emoção. Foda-se, se o seguno turno será entre João Leite e Kalil. Estou representada na camara dos vereadores. Minhas pautas estarão lá dentro, na voz de Áurea. Pode parecer pouco, mas não é não! Áurea não é uma delegada de polícia, ou uma capitã militar ou a tiazinha da farmácia. Ela é feminista, é preta, é da periferia, é militante. E foi a mais votada. Desbancou muito playboy profissional.
Penso que a vitória de Áurea explicita a necessidade de reinvenção da política. Uma campanha realizada sem dinheiro, construída no coletivo, na solidariedade, usando as redes sociais, congregando um monte de gente com desejos e sonhos parecidos. Como disse o Gilberto Gil, no discurso da UNE, em 2003: "nas brechas e nas frestas, outras visões surpreendem".
É o novo que está nascendo.
Uma esperança pousou em mim, uma flor brotou no asfalto.
E essa minha alegria, ninguém vai tirar.
Não façam movimentos bruscos. A esperança é um bichinho frágil. Precisamos facilitar o seu caminho.

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