Enquanto não sai um cantinho pra nova moradia ainda estou num vai e
vem entre Baldim e BH. Os cerca de 100 km que me separam da capital, às
vezes são feitos em até 3 horas, naqueles ônibus pinga-pinga, andando
por estradas de chão. Não reclamo. Com o tempo das águas chegando, até
que não é ruim. A chuva apagou a poeira, o cerrado está no rebroto, os
pequizeiros estão em flor e os personagens que entram e descem dos
ônibus são interessantíssimos.Como diz o poeta Miró da Muribeca, "janela
de ônibus é danado pra botar a gente pra pensar, ainda mais quando a
viagem é longa".
Depois de quase uma década morando em cidades
pequenas, sempre me assusto com a metrópole. O abandono e a privatização
pelos quais vem passando BH, nos últimos 8 anos, estão visíveis pelas
ruas e praças. Mas a babilônia tem seus encantos. Apesar do descaso por
parte de seus gestores públicos, existe uma cidade viva que pulsa. Ouvi
isso da boca da minha vereadora, Áurea Carolina, dia desses.
Na
semana que passou, aproveitei uma carona e fui mais cedo para BH. Fui ao
teatro. Tinha ingressos para o espetáculo "O topo da montanha" com o
casal Lázaro Ramos e Taís Araújo. Adoro o Palácio das Artes. Acho um dos
espaços mais democráticos da cidade. Na entrada do teatro é possível
ver pessoas com roupas de gala e com bermuda e chinelo. Amo!
O
espetáculo produzido pelo casal de atores globais e dirigido por Lázaro
foi escrito pela autora negra, americana, Katori Hall. É interessante
quando os negros estão presentes também na autoria e na produção das
trabalhos. Faz toda a diferença. Lázaro conta que descobriu a escritora
através do assessor do ex-ministro Joaquim Barbosa, quando participou de
seu programa "Espelho". Olha mais preto aí.
A peça relata o que
teria sido as últimas horas do pastor e ativista dos diretos civis,
Martin Luther King. A escritora Katori Hall, cria uma camareira
empoderada para mostrar toda a humanidade de Luther King. Seus defeitos,
medos e insegurança. Taís Araújo está grande na peça. Não fica a dever
em nada para o marido, Lázaro.
Chorei em várias momentos do
espetáculo, que é realmente muito bem cuidado. Apesar do texto abordar o
contexto americano do final dos anos de 1960, não tem como não fazermos
associações com o Brasil atual, principalmente no que diz respeito ao
racismo e ao extermínio da juventude negra. São 82 jovens mortos todos
os dias por aqui, sendo que 77% deles são negros.
Além da peça
ser escrita, produzida, dirigida e encenada por negrxs, me chamou a
atenção a quantidade de negrxs na platéia. Ainda não reflete o
percentual que somos da população, mas o número era bem maior do que
normalmente circula nesses espaços. Representatividade importa, muito! É
isso que a gente não cansa de repetir. Eu desliguei a TV há cerca de 2
anos e meio porque cansei de não me ver representada. Mas não queremos
representatividade somente nas artes, não. Queremos também nos espaços
de poder.
Ontem, participei de uma conversa sobre mulheres na
política com a vereadora de Natal, Amanda Gurgel e a vereadora
recém-eleita, Áurea Carolina. Ambas de esquerda, negras, periféricas.
Por vários momentos não consegui engolir o choro enquanto ouvia essas
duas mulheres incríveis.
Nossos corpos negros e de lutas
precisam estar em todos os espaços, do Palácio das Artes à Câmara
Municipal de Vereadores. Representatividade importa! Junto com nossos
corpos vão nossas pautas. Queremos o empoderamento das mulheres,
queremos a juventude negra viva, nenhum direito a menos, nenhum despejo a
mais, queremos ocupar os espaços de uma cidade que é nossa.
Amanda contou dos desafios que enfrentou em seu mandato. Falou das
agressões e ameaças que sofreu, mas também contou de suas vitórias. O
passe livre para os estudantes de Natal, a licença remunerada para
servidoras municipais em situação de violência doméstica, entre tantos
outros.
Ouvir essas duas mulheres me fez reconectar com o
sentido positivo da política, com o sentimento que, precisamos sim, ir
pra cima, não podemos entregar os pontos, é nois por nois.
Foi
tão empoderador ouvir essas duas mulheres incríveis, de luta, combativas
que saí do encontro com meu espírito renovado e convencida que mais do
que nunca precisamos estar juntxs, nos encorajando e nos fortalecendo.
Um outro mundo é possível e se não for por nós, que nossa luta seja por
nossxs filhxs, netxs, sobrinhxs. Um orçamento congelado por 20 anos
coloca uma geração inteira em perigo. Não nos deixemos abater. Bora pra
luta. Por todxs que tombaram antes de nós. Nossos passos vem de longe.
Sigamos juntxs! Somos Muitxs!
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