domingo, 23 de outubro de 2016

Representatividade importa

Enquanto não sai um cantinho pra nova moradia ainda estou num vai e vem entre Baldim e BH. Os cerca de 100 km que me separam da capital, às vezes são feitos em até 3 horas, naqueles ônibus pinga-pinga, andando por estradas de chão. Não reclamo. Com o tempo das águas chegando, até que não é ruim. A chuva apagou a poeira, o cerrado está no rebroto, os pequizeiros estão em flor e os personagens que entram e descem dos ônibus são interessantíssimos.Como diz o poeta Miró da Muribeca, "janela de ônibus é danado pra botar a gente pra pensar, ainda mais quando a viagem é longa".
Depois de quase uma década morando em cidades pequenas, sempre me assusto com a metrópole. O abandono e a privatização pelos quais vem passando BH, nos últimos 8 anos, estão visíveis pelas ruas e praças. Mas a babilônia tem seus encantos. Apesar do descaso por parte de seus gestores públicos, existe uma cidade viva que pulsa. Ouvi isso da boca da minha vereadora, Áurea Carolina, dia desses.
Na semana que passou, aproveitei uma carona e fui mais cedo para BH. Fui ao teatro. Tinha ingressos para o espetáculo "O topo da montanha" com o casal Lázaro Ramos e Taís Araújo. Adoro o Palácio das Artes. Acho um dos espaços mais democráticos da cidade. Na entrada do teatro é possível ver pessoas com roupas de gala e com bermuda e chinelo. Amo!
O espetáculo produzido pelo casal de atores globais e dirigido por Lázaro foi escrito pela autora negra, americana, Katori Hall. É interessante quando os negros estão presentes também na autoria e na produção das trabalhos. Faz toda a diferença. Lázaro conta que descobriu a escritora através do assessor do ex-ministro Joaquim Barbosa, quando participou de seu programa "Espelho". Olha mais preto aí.
A peça relata o que teria sido as últimas horas do pastor e ativista dos diretos civis, Martin Luther King. A escritora Katori Hall, cria uma camareira empoderada para mostrar toda a humanidade de Luther King. Seus defeitos, medos e insegurança. Taís Araújo está grande na peça. Não fica a dever em nada para o marido, Lázaro.
Chorei em várias momentos do espetáculo, que é realmente muito bem cuidado. Apesar do texto abordar o contexto americano do final dos anos de 1960, não tem como não fazermos associações com o Brasil atual, principalmente no que diz respeito ao racismo e ao extermínio da juventude negra. São 82 jovens mortos todos os dias por aqui, sendo que 77% deles são negros.
Além da peça ser escrita, produzida, dirigida e encenada por negrxs, me chamou a atenção a quantidade de negrxs na platéia. Ainda não reflete o percentual que somos da população, mas o número era bem maior do que normalmente circula nesses espaços. Representatividade importa, muito! É isso que a gente não cansa de repetir. Eu desliguei a TV há cerca de 2 anos e meio porque cansei de não me ver representada. Mas não queremos representatividade somente nas artes, não. Queremos também nos espaços de poder.
Ontem, participei de uma conversa sobre mulheres na política com a vereadora de Natal, Amanda Gurgel e a vereadora recém-eleita, Áurea Carolina. Ambas de esquerda, negras, periféricas. Por vários momentos não consegui engolir o choro enquanto ouvia essas duas mulheres incríveis.
Nossos corpos negros e de lutas precisam estar em todos os espaços, do Palácio das Artes à Câmara Municipal de Vereadores. Representatividade importa! Junto com nossos corpos vão nossas pautas. Queremos o empoderamento das mulheres, queremos a juventude negra viva, nenhum direito a menos, nenhum despejo a mais, queremos ocupar os espaços de uma cidade que é nossa.
Amanda contou dos desafios que enfrentou em seu mandato. Falou das agressões e ameaças que sofreu, mas também contou de suas vitórias. O passe livre para os estudantes de Natal, a licença remunerada para servidoras municipais em situação de violência doméstica, entre tantos outros.
Ouvir essas duas mulheres me fez reconectar com o sentido positivo da política, com o sentimento que, precisamos sim, ir pra cima, não podemos entregar os pontos, é nois por nois.
Foi tão empoderador ouvir essas duas mulheres incríveis, de luta, combativas que saí do encontro com meu espírito renovado e convencida que mais do que nunca precisamos estar juntxs, nos encorajando e nos fortalecendo.
Um outro mundo é possível e se não for por nós, que nossa luta seja por nossxs filhxs, netxs, sobrinhxs. Um orçamento congelado por 20 anos coloca uma geração inteira em perigo. Não nos deixemos abater. Bora pra luta. Por todxs que tombaram antes de nós. Nossos passos vem de longe. Sigamos juntxs! Somos Muitxs!

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