domingo, 4 de março de 2018

A casa era por aqui

Sentada na mesa da cozinha fico admirando os pezinhos de milho criolo que eu e meu irmão plantamos. As sementes de quiabo que ganhei da Maria germinaram, mas somente três pés foram pra frente. O milho já passa da janela. Já, já vai pendoar e virá o período dos pardais ajudarem na polinização das espigas. Em seguida, virão as bonecas para enfeitar ainda mais a rocinha. Vejam bem, são pouco mais de duas dúzias de pés. Melhor explicar para não ser acusada de fazer propaganda enganosa. Eu, das filhas mais novas, nascida em Baldim, não vivi a vida dura que os mais velhos experimentaram na roça. Enquanto tomava o café, meu irmão comentava da época de fartura do tempo que a família morou no Guará. Papai foi meeiro de um fazendeiro e as terras que arrendou eram muito férteis. Era o paraíso, segundo ele. Uma chácara enorme com mangueiras, jabuticabeiras, jambos e até um pé de ingá na beira do córrego. Ali, não se viu fome. Daquela época, só restou a casa sede da fazenda e um bambuzal no lugar onde meus pais moraram. Meu irmão disse que durante muito tempo visitou o lugar e rememorou as lembranças. Agora não vai mais. "Pra quê? Não tem mais nada, lá." Ele suspira pesaroso. Lembrei de Manoel Bandeira. Enquanto ele comia seu pedaço de bolo, li o poema "Velha Chácara" pra ele:

"A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinqüenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...

- Mas o menino ainda existe."

"É, divera! É isso mesmo". Ele se emociona.

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