domingo, 4 de março de 2018

São Julião

"Ai, meu deus!" 
Essa foi uma das frases mais ouvidas nos poucos mais de 400 km do trajeto BH/Teófilo Otoni, a caminho do Festival Quilombola do Mucuri, em São Julião. É que nosso motorista, o simpaticíssimo Beto de Castro, tem realmente o pé pesado, embora, diretamente proporcional à sua segurança ao volante. Quem dizia a frase, a cada ultrapassagem na BR 381, sob uma chuva que durou todo o trajeto, era a menina Ricelli, uma arquiteta a caminho do festival para uma imersão junto à comunidade visando a construção coletiva da Casa do Batuque. No caminho, quem se juntou ao grupo foi o engenheiro Adriano, que foi nos dando aulas sobre os vários tipos de bambus e seus usos na construção. O grupo ainda contou com o mestre brincante, Roque Antônio, que se revelou um duende nos dias seguintes e a maravilhosa griô, Eda Costa. Apesar de cansativa, a viagem foi prazerosa na companhia de pessoas tão especiais. Ao final de cerca de 10 horas na estrada, já éramos todos amigos de infância. Chegamos ao final do dia em Teófilo Otoni e as notícias não eram boas. As fortes chuvas que caíam há dias deixaram os 80 km de estrada de chão até a comunidade de São Julião intransitáveis em alguns trechos e tivemos que esperar até o dia seguinte para seguir viagem. Na sexta-feira, logo após o café da manhã, Beto já nos aguardava para a aventura nas estradas enlameadas até o quilombo. As notícias davam que alguns veículos não conseguiram passar em determinados trechos, mas Beto "Pai Véio" conhece como ninguém aquele chão e estava decidido a cumprir o combinado entregando a "trupe" sã e salva em São Julião. O trajeto foi aumentado em alguns quilômetros com a orientação que fizéssemos um caminho diferente do convencional, mas que estava um pouco melhor. Mas antes, passamos no Sindicato Rural em Teófilo Otoni para um empréstimo de pratos e talheres para o festival. O carro foi abarrotado de malas e caixas, o que segundo "Pai Véio" era um fator a nosso favor, já que mais pesado, o veículo teria mais aderência na lama. Minha confiança foi abalada, quando no caminho cruzamos com um veículo oficial do governo do estado, que levava o secretário estadual de direitos humanos para o evento, parado no meio da lama. O secretário só seguiu viagem porque um funcionário do distrito de Topázio topou enfiar seu gol na lama num verdadeiro rali "Julião Topázio dakar". Eu tensa, com medo de ficarmos atolados no barro em plena zona rural, sem telefone nem internet, tinha minha insegurança abalada com a certeza do Beto que chegaríamos sãos e salvos na Comunidade. Tá certo que nos perdemos algumas vezes e que os moradores locais nos salvaram indicando o caminho. Para mim, a tensão só era quebrada com a beleza da paisagem da zona rural do Mucuri com suas belíssimas montanhas de pedras em meio à mata atlântica verdíssima com a chegada do tempo das águas. Chegamos em São Julião na hora do almoço e panelas enormes ferviam no fogo à nossa espera.

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