sábado, 3 de junho de 2017

Os caẽs

Tão ruim ficar longe de casa, do menino, do Scooby, de Fridinha. Há 2 anos adotei Fridinha, ou ela me adotou. Nem sei... Aquela cachorrinha minúscula vivia pela rua, sendo escurraçada por todos, mas atenta a algum sinal de afeto onde pudesse se arranchar. Meu coração cortava de dó. Nos dias de chuva, então... Lembrava dela. Comecei colocando água e ração do lado de fora do portão, mas não deixava ela entrar. Mas, era fatal! Quando sentia algum cheiro estranho, era só procurar que ela estava por perto. Encontrei Fridinha muitas vezes escondida no banheiro, embaixo da cama, dentro da minha caixa de livros. Às vezes, fingia que não a via só para não ter que expulsá-la. Até que um dia criei coragem, chamei o menino e demos um banho nela. Era tanta pulga que tive que enfrentar o meu nojinho. Tensa, ela ficou quietinha enquanto cuidávamos dela retirando os parasitas. Precisou de muitos banhos para retirar toda a crosta de sujeira que havia em seu pelo. Nunca mais foi embora. Depois compreendi que pulgas, carrapatos, o cocô pelo quintal, são de menos. Foda é quando eles se machucam, adoecem, brigam na rua. Dias desses, Scooby voltou sem um pedaço da orelha. Que ódio que fiquei dele por caçar confusão, brigar com cachorro maior e mais safo do que ele. Enquanto tratava do ferimento, brava, xingava, como se resolver, fosse. Scooby é determinado, quando quer uma coisa não dá sossego até conseguir. Aprendeu a abrir o portão e vai e volta da rua quando quer. Fridinha, não. A pequena é obediente, não sai de casa, sempre perto de mim. Não sei sua idade e ela demorou um pouco a atender pelo novo nome. Imagino que seja velhinha, pois não tem todos os dentes e fica sempre, muito quietinha. Mas, tem um característica em Fridinha que me chama a atenção. Ela é resignada. Fica sempre por ali, com aquele olhar piedoso, próprio dos cães, à espera de um ossinho ou de uma sobra do prato. Que, se não vem, ela vai logo caçar o cantinho dela, conformada. Scooby, não! Se o portão está trancado e ele não consegue abrir, é cada voadora que dá em mim. Enquanto não faço a sua vontade, ele não desiste e eu não tenho sossego.
Com a consolidação do golpe, meus sentimentos têm se alternado entre a determinação do Scooby e a resignação de Fridinha. Resignar é um troço ruim demais. Lembro dessa resignação nas décadas de 80 e 90 com o país vivendo a fome, a inflação e o desemprego. Não era inflação de 10% ao mês, não! Era de 100%. Lembro da manchete do jornal "O Estado de SP", em dezembro de 1989: "inflação do ano atinge 1.764, 86%. Isso mesmo! 1.764, 86%. Pensem no que foi isso! Pensem nisso para quem recebia salário mínimo. Hoje, o problema não é Temer, nem Cunha, eles são instrumentos de uma classe dominante, como dizia Darcy Ribeiro (que saudades...) "ruim, ranzinza, azeda, medíocre, cobiçosa, que não deixa o país ir pra frente." Descendentes dos senhores de escravos essa elite traz na alma o chicote, "condicionado a usar o povo como carvão que se queima para a produção, para ter mais lucro".
Eu fico entre a determinação do Scooby, com um desejo de ainda lutar e a resignação de Fridinha, como uma defesa, uma couraça para não sofrer diante da impotência dos destinos do país. Nossos cartazinhos "Fora Temer" não adiantaram de nada. Nem nossos memes criativos. Sinceramente, eu não sei o que fazer. Tô como diz Adélia, com medo de apanhar tristeza, de encardir de melancolia. Não há líderes nem estadistas que nos deem a resposta, alguém que nos diga o que fazer. Como diz o poeta: "o anzol da direita fez a esquerda virar peixe". Que os orixás e as almas benditas tenham piedade de nós. Vou ali, ler um poema e reforçar minha couraça para não cair em melancolia. Se decidirem invadir o congresso, explodir Brasília ou fugir para as montanhas, me chamem. Por favor!

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