domingo, 4 de junho de 2017

Quando a coisa fica preta, a coisa fica boa!

O menino veio passar o final de semana na capital. Trouxe um amigo com ele. Vieram para a reinauguração de uma pista de skate, no Parque Lagoa do Nado. Hoje, assim que acordou pulou para a minha cama. Agora que ele não cabe mais no meu colo, sou eu quem me aninho nos braços dele. O cabelo black, macio e cheiroso acariciava meu rosto, enquanto conversamos. Ontem, à noite, lembrávamos quando ele, por volta dos 5, 6 anos ia dormir na casa dos coleguinhas e depois chorava, querendo voltar. E agora, aos 15, já dá seus rolês, sozinho. Enquanto eu preparava o café, ele chegou na cozinha com Bob Dylan cantando "One more cup of coffe" no celular (https://www.youtube.com/watchtime_continue=1&v=CB1Yq4zVC70). "Este é o álbum dele que eu mais gosto, mãe. Dos que eu conheço, claro!" E me mostrou a lista imensa dos discos de Dylan no spotify. Ontem, da sala, eu ouvia ele e o amigo no quarto ouvindo rap e conversando. De vez em quando, eu não resistia e dava uns pitacos na conversa. A certa altura, ouvindo uma música do "Djonga" escutei ele dizendo: "Não dá, mano! Que rima que a gente pode escrever? Esses caras já escreveram tudo!" Já tem um tempo que nasceu nele o desejo de escrever. Quando pequenininho, ele me pediu que comprasse um caderno, pois queria escrever suas memórias. Penso que, em algum momento, isso tudo vai desaguar. Deve estar tudo amadurecendo no caderninho mental dele. Li pra ele o texto que escrevi ontem, sobre a palavra que instaura. Disse que, o que as letras de rap provocam nele é exatamente isso. São palavras geradoras que mobilizam afeto, que nos deixam com vontade de nos existenciar e escrever, também. Aproveitei e mostrei pra ele o caderninho de Dona Joana, mãe da Conceição Evaristo (https://issuu.com/itaucultural/docs/dona_joana_issuu). Expliquei que ela começou a escrever depois da família ler junto "Quarto de despejo", da Carolina Maria de Jesus. Depois, mostrei para ele um vídeo da Conceição Evaristo com a mãe, para ele ver a carinha dela (https://www.youtube.com/watch?v=60SnkIJrBl0). Assistimos juntos, emocionados. Até porque o que Dona Joana e Conceição Evaristo dizem ali, não é muito diferente do que o menino ouve nas letras de rap. A quebrada está toda lá, inteira, em toda a sua potência. Depois ele me mostrou "Little Walter" cantando "Blue and Lomesone (https://www.youtube.com/watch?v=bhm_R6NrAhI)." E eu querendo saber: "Onde você conheceu isso, menino?" "Vi o Ed Mota cantando num programa do Jô. Daí, fui atrás do original". Palavras geradoras, palavras potentes, palavras que instauram. Terminamos a conversa chegando à conclusão que Dona Joana, Conceição Evaristo, Carolina Maria de Jesus, Little Walter, Djonga são todos pretos. Um bom domingo pr'ocês tudo! De preferência lendo ou ouvindo algum pretx, porque quando a coisa fica preta, a coisa fica boa!

Nenhum comentário:

Postar um comentário