sábado, 3 de junho de 2017

Do afeto que nos salva nas horas brutas

O doido e doído no golpe é que a vida da gente segue, quase como se nada tivesse acontecendo. Você tem que se levantar todos os dias e ir trabalhar, e estudar, cuidar dxs filhxs. As crianças continuam nascendo e as pessoas morrendo. Ontem, a Dona Helena, avó da irmãzinha do menino, se foi. No domingo, ele já estava chateado e preocupado porque as notícias não eram boas. Nos últimos tempos, ele desenvolveu um grande afeto pela avó materna da irmã. Ele a tinha como amiga. Sempre chegava da casa do pai contando sobre ela. No domingo, entre lágrimas, ele confessou que sofreria muito com sua partida. Me disse que não podia chorar porque tinha que ficar forte para consolar a irmã. Eu expliquei que choro não tem nada a ver com fraqueza, que ele podia e devia chorar, sim, e que nessas horas o importante é ficar perto um do outro e sofrer junto. Estive com Dona Helena uma única vez. Viemos juntas de Baldim, num táxi coletivo. No carro, antes de cair no sono, ela elogiou muito o menino e falou do carinho que sentia por ele. Ontem, depois que fiquei sabendo da sua .partida, liguei pra ele. Expliquei que nessas horas eu gosto de cumprir o ritual. De chorar e prantear o morto, de enterrá-lo, para depois liberar a sua alma para outra dimensão, como fazem os indígenas do Xingu no ritual do Quarup. Se não cumprimos o ritual, corremos o risco de carregar o morto por uma vida inteira. É preciso viver o luto. Ele então, disse: "Eu quero me despedir dela, mãe. Eu quero ir ao velório e ao enterro." Hoje, ele matou aula e às 6 horas da manhã saiu de Baldim em direção a BH para se despedir da amiga. A esposa do pai dele, outro dia, me disse: "Dalva, obrigada por me deixar amar o João Pedro." Eu engoli o choro. Nós, que quase fomos inimigas nos aproximamos porque somos mães de irmxs e xs meninxs se amam tanto que enchem os nossos corações de uma quentura gostosa." Quem beija o meu filho, minha boca adoça", dizia a minha mãe. Estou triste pela partida da Dona Helena e agradecida pelo afeto que ela demonstrou pelo menino e pela relação amorosa que os dois desenvolveram. Isso tudo só pra dizer que é o afeto que nos salva nessas horas brutas

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