domingo, 18 de dezembro de 2016

Sétimo dia em Cuba: morre Fidel!

 Acordei cedo, tomei banho e enquanto tomava o café, liguei a TV. Um programa de entrevistas falava sobre Fidel e a revolução. Ri, pensando em como Fidel e revolução são temas diários nas conversas dxs cubanxs. Em seguida, Raul Castro entrou em cadeia nacional e anunciou a morte do irmão. Terminou sua fala, erguendo o braço com o punho fechado e falando com firmeza e emocionado: "Hasta la victoria siempre"! Bordão do Comandante. Tomei um susto e comecei a chorar. Não acreditei no que ouvia. Mudei de canal. Era verdade! 


Fui até o hotel "Habana Livre" me conectar à internet. Em todos os hotéis que entrei, ninguém nunca me abordou apesar da minha cara de "tia do cafezinho". Nenhum segurança veio atrás de mim. Sentava ao lado dos gringos naqueles sofás confortáveis, enquanto acessava a internet. A internet é um problema sério em Cuba. Problema para nós que vivemos 24 horas conectados, não para os cubanos. O sinal de wifi existe em locais públicos como praças e em hotéis, mas paga-se caro para ter acesso. 2 CUC a hora, cerca de 2 euros. Mas os cubanos acessam, não tanto quanto à gente. As praças ficam cheias de gente conectada, principalmente jovens. 

Queria me encontrar com Ariele, jornalista e antropóloga que conheci no congresso. Era meu último dia, queria me despedir e o único jeito de nos comunicarmos seria pela internet. Era torcer para ela estar on line. Quando entrei no facebook as notícias vindas do Brasil já davam conta da morte e xs amigxs falavam da coincidência d'eu estar em Cuba, justamente nesse dia. Queriam minhas impressões. Consegui falar com Ariele e combinamos de nos encontrarmos na "Plaza de la Revolución", às 13h. 

Retornei ao apartamento onde estava hospedada e na esquina já ouvi a movimentação em frente à "Universidade de Habana", onde Fidel estudou. Estudantes, professores e funcionários já se mobilizavam em homenagens. Me informei e dava para ir a pé até a praça encontrar com Ariele. 

No caminho um cubano puxou assunto. Citava vários países para descobrir de onde eu era: "Colômbia? Panamá? Peru?" "Não, brasilena", falei no meu portunhol. "Parece cubana", ele disse. Eu, me sentindo elogiada, fui conversando com ele e falando sobre a coincidência de estar em Cuba nesse dia. Ele me falou da revolução e de Fidel. No caminho encontramos com um senhor que lutou na revolução, amigo de Fidel. Fui apresentada a ele. O senhor abriu um sorriso quando ouviu que eu era brasileira, mas pediu desculpas e disse que não tinha condições de conversar comigo naquela hora. "Um outro dia", ele disse. Emocionado e cabisbaixo seguiu seu caminho com seus passos lentos de ancião. 
O Cubano, um músico rumbeiro me acompanhou até a "Plaza de la Revolución" e riu de mim, por não ter marcado um local exato para encontrar com Ariele, "A praça é enorme e cheia de turistas. Você não vai encontrá-la". Felizmente não foi difícil. Quando comentei com Ariele da movimentação na Universidade de Havana, jornalista que é, ela quis ir imediatamente para lá, pois queria entrevistar as pessoas. Pegamos um taxi cubano (os taxis são diferentes na Ilha. Os cubanos pagam em moeda local, bem barato e os turistas pagam em CUC, bem mais caro). Como Ariele fala bem o espanhol, sempre que estava com ela pegávamos taxis cubanos. É possível viver em Cuba gastando pouquíssimo! 

Quando chegamos, um casal de jovens descia as escadas da Universidade. Sugeri a Ariele que conversássemos com eles, pois ouvi, a vida inteira, que os mais jovens, em Cuba, não gostam do Regime, nem de Fidel e que sonham em abandonar a Ilha. O rapaz usava uma camiseta do Che Guevara e a menina tinha uma adesivo do Fidel colado na roupa. Na mão um cartaz quando da celebração de aniversário de Fidel. Ambos estavam emocionadíssimos. Disseram que Fidel era a Revolução. A menina falou que o seu sentimento era de orfandade. Tiramos uma foto com eles. Nos aproximamos de um senhor que, emocionadíssimo, disse que não tinha condições de conversar. Ficou ali, com um olhar perdido, enquanto ouvia as músicas que saíam dos altos falantes da Universidade. 

Depois subimos as escadas e me chamou a atenção uma jovem que trazia o nome de Fidel escrito no rosto. No braço, uma fitinha preta em sinal de luto. Melissa,18 anos, estudande de Direito, com uma consciência política de fazer inveja a muito marmanjo. Entre lágrimas ela falou de como era a relação de Fidel com a juventude, uma das prioridades do governo. Falou da bolsa que todo graduando recebe para estudar. TODO GRADUANDO! Falou das prioridades de investimento do Comandade, diante do 
pouco dinheiro: educação, saúde, tecnologia. Melissa disse que estava em uma festa, que foi interrompida assim que chegou a notícia da morte de Fidel. 

Conversamos ainda com uma cubana, tradutora, que vive há anos na Alemanha. Emocionada, ela falava da admiração por Fidel e do seu amor por Cuba. Depois fomos até a praça nos conectar e mandar notícias para o Brasil. Ariele ainda conversou com alguns senhores que estavam por ali. Somente um, disse que pra ele era indiferente, que estava se sentindo normal. Depois fomos até o apartamento onde eu estava hospedada tomar um café. O casal que me alugou o apartamento chegou em seguida. Ela, agrônoma, trabalha numa ONG com agricultura familiar. Já viajou por mais de 1 dezena de países a trabalho. Contou indignada de como viu crianças trabalhando na agricultura na Argentina e vendendo limões nos semáforos na cidade de Rosário. Disse que isso nunca seria visto em Cuba. Seu marido, que trazia no bolso um pen drive com as músicas do grupo de rap cubano "Los Orishas" de presente para o menino, chorou por várias vezes. Sua esposa também. Ficamos ali, os 4, naquela típica sala cubana chorando, ouvindo a manifestação que chegava da Universidade de Habana, onde Fidel, em suas próprias palavras, se tornou revolucionário. 

O que vi nas ruas de Cuba foi comoção. Todos esperavam a morte de Fidel, pois já estava com 90 anos e há 10 se afastara da presidência por problemas de saúde. Mas, o fato de não ter mais o Comandante, fisicamente, mexeu com a mairoria dxs cubanxs. Quando eu perguntava sobre Cuba ser uma didatura e Fidel um ditador, ouvi: "Que povo apoiaria um ditador"? A jovem Melissa que marcou o corpo com o nome do Comandante, me disse, entre lágrimas: "Defeitos tinha, erros cometeu, mas amávamos essa pessoa!".

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