sábado, 10 de dezembro de 2016

Primeiro dia em Cuba



A viagem não foi boa. Como eu  embarcaria de madrugada, preferi ir mais cedo para o aeroporto do que sair muito tarde de casa. O menino e minha irmã se ofereceram para ficar comigo na avenida Antônio Carlos até o ônibus do aeroporto passar, mas eu disse que não precisava. Depois, me arrependi e senti  medo de ficar sozinha na avenida. O que salvou foi o movimento em frente à UFMG, por conta das atividades das ocupações dos estudantes. O ônibus passou por volta das  21:45h e um pouco antes das 23:00h eu já estava chegando em Confins. Na hora de descer, o trocador do ônibus me interpelou informando que ali era o embarque internacional. Eu disse que era ali mesmo que ia ficar e que ele, por favor, pegasse minha malinha que estava no bagageiro.

Eu e minha cara de quem não frequenta embarque internacional...

Tive que esperar bastante, já que o embarque era somente à 1:50h da manhã. Na fila do check in já foi possível ver a quantidade de passageiros com destino ao turismo de compras de Miami. Fiquei  sem entender aquela quantidade de malas imensas, já que iam comprar muito por lá. Me senti de outro planeta com minha malinha com 7 mudas de roupas, uma para cada dia da viagem.

O voo foi muito cansativo. Senti inveja dos passageiros da classe executiva com um pouco mais de espaço, travesseiros e cobertores. A sorte é que o ar condicionado não estava gelado e frio eu não passei, mas as cadeiras apertadas não eram muito diferentes do ônibus da Saritur que me leva toda semana para BH. Não sei se foi a expectativa da viagem, mas, uma dorzinha chata de cabeça que me acompanhava foi se agravando ao longo da madrugada e, mesmo tomando um dramim, não consegui dormir. Quando serviram a comida, apesar de estar com muita fome, não consegui comer e fiquei ali, na janelinha, suportando o mal estar, suando frio, sem querer me levantar para não incomodar os dois passageiros ao meu lado que dormiam profundamente. Quando chegamos no Panamá, nem o visual deslumbrante do canal à noite com as luzes dos navios foi suficiente para me animar.

Quando o avião da Copa Airlines pousou na Ilha, senti um alívio. Enfim, em solo! Mas, para completar fui barrada na imigração:
- "Cadê a carta de aceite do congresso?", "Cadê seu bilhete de volta?", "Cadê o trabalho que vai apresentar"?
- "Tudo bem moço, é só acessarmos a internet que lhe mostro tudo."

Mas cadê internet? Eu, que já não estava bem fisicamente, fiquei ainda pior, me sentindo com cara de uma infiltrada do Império. Quando enfim, consegui pegar minha mala, ela estava toda quebrada. Tudo bem, que já ganhei de segunda mão, mas tenho certeza que foram aquelas malas gigantes que foram para Miami que despengolaram a bichinha.

Enfim...

Mas foi avistar o Seo Rose, taxista que foi me buscar, com um cartaz enorme com meu nome que o mal estar passou! Ainda bem que eu combinei dele me buscar, porque eu não estava em condições físicas de ensinar endereço pra ninguém, ainda mais sem saber falar espanhol. Me acomodei no banco da frente do táxi, um Lada soviético conservadíssimo, e fui observando a paisagem, já que o taxista era de pouquíssimas palavras. A primeira imagem é mesmo a dos carros antigos e dos ônibus. Surpreende a conservação, o que me levou, inevitavelmente, a refletir sobre a nossa sociedade de consumo.

O primeiro outdoor que vi, já me emocionou. A clássica foto das crianças cubanas uniformizadas e os dizeres: "Educação para todos é direito de todo cubano". Engoli o choro.  Em seguida um outro outdoor comemorativo ao aniversário de Fidel com várias fotos dele, da juventude até  mais velho. Em seguida, mais um, dessa vez em alusão ao embargo. Uma forca representava o último "o" da palavra onde se lia: "Embargo, o genocídio mais longo da história". Mais à frente, um ginásio poliesportivo com vários campos de futebol, onde aconteciam jogos. Outro outdoor, agora com os medalhistas olímpicos reverenciados como heróis cubanos.

 Quando avistei a Universidade de Havana, percebi que tínhamos, afinal, chegado. Aurélia nos esperava na calçada, já ansiosa pela demora. Uma jovem senhora, baixinha, pouco mais velha que eu, que já foi pegando a mala da minha mão e me explicando tudo. O prédio estava sendo pintado pelos moradores. Ela me mostrou o apartamento, um quarto e sala com uma pequena cozinha e banheiro, mas muito arrumadinho, com geladeira, fogão, TV, microondas, sofá, duas camas de solteiro, 1 mesa com 4 cadeiras e um pequeno aparelho de som.

Aurélia buscou café em sua casa. O melhor café que já tomei na minha vida: cubita. Uma pena não ter trazido. Mas Cuba não é, definitivamente, lugar para turismo de compras. Seu marido chegou em seguida e ficamos conversando sobre a Revolução, Fidel, sobre o meu amor por Cuba, sobre os livros e escritores que despertaram em mim, este amor: Frei Beto, Fernando Morais, Oswaldo França Júnior e sobre as dezenas de amigxs que bancaram a minha viagem. Depois, saímos pelo bairro e Aurélia me mostrou onde comprar comida, acessar a internet, etc.  Eu expliquei que a grana era curta e que além do mais, não gosto de me comportar como turista, gosto de viver como o povo do lugar. Ela, então, me mostrou o restaurante onde o turista come, o restaurante onde o cubano come - mas não qualquer cubano- e os paladares, espécie de restaurantes que existem em casas particulares, onde todo cubano pode comprar. "É nesse mesmo que vou comer!", eu disse a ela. Ela me explicou também a conversão da moeda, que no caso são duas: o peso conversível (CUC) e a moeda nacional (MN - peso cubano). 1 CUC equivale a 25 MN. Levei vários dias para compreender essa conversão.

Fomos andando até o Malecón (beira mar havanesa). Impossível ver aqueles casarões antigos à beira mar e não pensar como seria se fosse em qualquer cidade litorânea no Brasil. Aqueles casarões estariam de pé? Aquele calçadão estaria ocupado por pessoas comuns, negras em sua maioria? Fiquei pensando, que muito provavelmente, seria demolidos e construídos torres gigantes de apartamentos e hotéis de luxo. Ver o povo ocupando o espaço público é uma imagem que sempre me comove.

Quando me despedi de Aurélia, resolvi descansar um pouco e tentar acertar o (con)fuso horário, já que com o horário de verão, Cuba está 3 horas a menos que no Brasil. É como se fosse uma viagem no tempo, literal e não só metaforicamente. Depois de um rápido cochilo fui atrás do endereço de uma amiga da minha comadre para entregar umas encomendas. Andei bastante, localizei a casa, mas não havia ninguém. Caminhar pelo bairro à noite foi muito interessante. Como era domingo, as ruas estava cheias de gente. Muitos jovens, muita paquera, beijo na boca, música, uma efervescência no ar. E, embora com ruas pouco iluminadas, a sensação de segurança era muito grande. Em momento algum me senti estrangeira. Pelo contrário, me senti em casa. Alguma vantagem tem que ter, parecer a tia do cafezinho. Estranhei o barulho vindo da rua. Localizado numa encruzilhada (Laroiê!), era grande o movimento de carros e ônibus que vinha da fora.

As impressões deste primeiro dia é que sim, existe pobreza em Cuba. Ou melhor, a riqueza de Cuba é outra. Existe uma pobreza material, mas as pessoas ostentam uma dignidade. Outra impressão que tive é que o povo cubano tem fome de beleza. Embora pequenos e antigos, os lugares por onde passei são sempre muito limpos. Existe um cuidado com a estética na forma como os móveis são dispostos, nos vasos de plantas.  Eu, que muitas vezes fui "acusada" de ter uma casa cubana, percebi que não era verdade. As casas cubanas são muito mais arrumadinhas que a minha.

Queria mandar notícias pra casa, que havia chegado bem, mas não consegui acesso à internet, tarefa que ficou para o dia seguinte.

3 comentários:

  1. O andamento dos seus textos nos levam pela mão. Obrigado por compartilhar

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  2. Li. Na releitura, coloquei meu disco do Ibrahim Ferrer. Vou procurar, não sei onde está, um restinho de rum que vaga por aqui - na caxola.

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  3. Esperando o segundo dia!!!!! Não demora, por favor! ♥

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