sábado, 18 de junho de 2016
Matrix
Às vezes, tenho a impressão que estou vivendo numa matrix. O mundo está
tão mais interessante fora do facebook. A vidinha por aqui, segue alheia
a impedimentos, delações e vazamentos. Dia desses, Dona Ferina me parou
para saber se eu era filha ou neta da Dona Dulce. Adorei ser
confundida com a neta. Ela reclamou de dores, falou da preocupação com o
filho, "menino trabalhador que se aposentou por invalidez", por causa
de "problemas de cabeça". Lembrei de Sorôco, sua mãe, sua filha.
Chegou a chorar com medo de morrer e deixá-lo sozinho. "Quem vai cuidar
dele? Ele só tem a mim." Disse que ia levantar a bandeira de Santo
Antônio na porta de casa para o santo velar por ele. "Afinal, o santo
tem um menino também, não é?" Ontem, ouvi no alto falante da igreja o
anúncio da sua morte. As dores que sentia não eram sem fundamento. E a
vida segue, igualzinha. Hoje, apesar do frio, os meninos brincavam na
porta de casa, do mesmo jeito. Depois das varadas por causa do copo de
alumínio sujo de barro, a brincadeira era outra. Uma tapawer velha,
fazendo as vezes de um caminhão basculante, transportava terra por um
longo caminho, cheio de obstáculos, traçado no cascalho. O vira lata
perdeu seu lugar ao sol, e quem, hoje, tomava um café, sem pão, era o
menino, seu dono. Contrariado, o cachorro espreitava o momento de voltar
para o seu conforto, no velho banco de carro, abandonado debaixo do pé
de jamelão. Dona Maria capinava sua hortinha, alheia às discussões do
congresso e a vizinha, logo abaixo, regava as bromélias que plantou na
porta de casa. "Eduardo Cunha? Não conheço não, minha filha. Quem é?
Mudou pra cá?"
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