domingo, 26 de junho de 2016

Fome de beleza

Acordei com fome de beleza.
Li Adélia, alto, na cozinha.
O menino acordou, em seguida.
Enquanto ele preparava o seu café, me ouvia:
"O que parece vivo, aduba. O que parece estático, espera."
"Nossa! Da hora isso, hein mãe?"
Desde pequeninho ele me ouve ler poesia.
Um dia, depois de uma briga, li "Mater Dolorosa":
"(...) Era domingo,
ela estava sem fadiga
e me respondia com doçura (...)"
Desde então, sempre que levanto a voz, ele me lembra:
"Mãe, olha a doçura!"
Li "Poema esquisito". O poema que fez mamãe chorar.
Li "Antes do nome", um dos meus preferidos:
"Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é o Verbo."
Li alto, "Azul sobre amarelo, maravilha e roxo":
"Desejo, como quem sente fome ou sede,
um caminho de areia margeado de boninas (...)
Na alma, o querer de um mundo tão pequeno
como o que tem nas mãos o Menino Jesus de Praga."
É tão bonito, isso! Não é?
"É sim, mãe!" O menino responde, enquanto mastiga o pão e toma seu leite.
Mamãe tinha um Menino Jesus de Praga. Procurei pela casa toda. Não encontrei. O menino ganhou um, quando nasceu. Está lá, junto com São Benedito e outros santos e a jarrinha do Jequitinhonha, embrulhados em jornal, guardados na caixa, esperando, pacientemente, eu ter, novamente, um cantinho pra eles.
O menino terminou o seu café e foi andar de skate.
"Vou procurar uns picos bons por aí". Os picos bons são a rua do colégio, em frente ao cemitério, a escada da fábrica de doce, a velha fábrica abandonada. Tão facinho esse menino. Qualquer lugar lhe serve.
O coro de vozes infantis sai do alto falante da igreja chamando os devotos para a missa. Dona Geralda já desceu com sua filha. Fui lá, na rua, dar um beijo nela. O cheiro de seu creme ficou impregnado em minha pele. Quis tirar uma foto. A filha com pressa. "Vamos, mãe!" Ela, paciente: "Na volta eu te chamo no portão e a gente tira, tá bom?".
Que importância isso tem? Nenhuma.
Mas é que, como Adélia diz, "eu só tenho o cotidiano e o meu sentimento dele". E um aperto aqui no peito. Daí, pego a escolher palavras com as quais narrar minha angústia. E nesta busca pelo 'de', o 'aliás', o 'porém', já vou respirando melhor.
A missa começou. A voz do coral chega aqui.
É domingo, é domingo, é domingo

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