domingo, 26 de novembro de 2017

Amizade dada é amor

Riobaldo amava o amigo Diadorim. Só pensava era nele, sentimento dele voava reto. Diadorim, era sua neblina. Andavam sempre juntos, davam passeios, divergiam do resto do bando, cada um feito por si. Ninguém maldava nem caçoava, por risco de morte. Com Diadorim, Riobaldo aprendeu a pôr reparo no miúdo, a pôr sentido nas pequenas grandezas. As araras no ar parecendo pano azul e vermelho desenrolados, esfiapados no lombo do vento quente. Aprendeu a formosura dos gerais. “Mas ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor.” Riobaldo tinha ciúmes de Diadorim. Tinha ciúmes da confiança que Medeiro Vaz depositava no amigo, e da gratidão e admiração que Diadorim nutria por Joca Ramiro. Sem Diadorim por perto para reprovar, Riobaldo cedeu aos encantos de mulher moça, bonita. Trocaram carinhos feito casamento, esponsal. A moça serviu café coado por ela, refresco, limonada de pêra-do-campo e até presente deu. Uma presa de jacaré para o jagunço transpassar no chapéu contra mordida de cobra. Riobaldo até conheceu mãe da moça, uma adivinhadora de passado e futuro. Diadorim adivinhou o chamego e também se enciumou. “Essa velha Ana Dazuza é que inferna e não se serve...” A dona, segundo ele, não forneceu informações confiáveis ao chefe do bando. “Essa carece de morrer, para não ser leleira...” “Já sei que você esteve com a moça filha dela...” Confessou. Riobaldo entendeu o amor, mas também o ciúme do amigo e zangou-se: “Aí é a intimação? Pois, fizerem, eu saio do meio de vós, pra todo o nunca. Mais tu há de não me ver!...” Diadorim pôs mão em braço de Riobaldo que estremeceu num alvoroço de doçura, mas repeliu, como se pedra pontuda estivesse entre as duas palmas. “Você já paga tão escasso então por Joca Ramiro? Por conta duma bruxa feiticeira, e a má-vida da filha dela, aqui neste comfim de gerais?!” Irado, Riobaldo respondeu: “Dou!” E destilou seu cíume reclamando se todos tinham que honrar Joca Ramiro como se Cristo Nosso Senhor fosse. “Riobaldo, escuta, pois então: Joca Ramiro era o meu pai...” Diadorim tentou explicar a consideração. Riobaldo acalmou o fôlego, enquanto observava os braços bem feitos do amigo, a cara levantada, tão bonito, tão sério. O ouvido retorcia a voz dele, e no fim de tanta exaltação, seu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e ele ambicionava de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre. Diadorim também se acalmou. “Tem discórdia não, Riobaldo amigo, se acalme, Não é preciso se haver cautela de morte com essa Ana Dazuza.” “Mas, se você algum dia deixar de vir junto, como juro o seguinte: hei de ter a tristeza mortal...” Falou Diadorim, colocando a mão por sobre a do amigo e a retirando em seguida. Riobaldo abraçou Diadorim em pensamento, como as asas de todos os pássaros e pelo nome de Joca Ramiro, e por seu amigo, agora ele matava e morria.

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