terça-feira, 16 de maio de 2017

Seo Zezinho

Eu não consigo ver os trabalhadores do MST e não lembrar do meu pai. Seo Zezinho morreu aos 62 anos, moço ainda, apesar de aparentar muito mais idade do que tinha por causa da pele curtida pelos anos trabalhados na enxada, embaixo de sol. Morreu sonhando com a reforma agrária e um pedacinho de chão que fosse seu. Trabalhou a vida inteira em terra dos outros. Um lavrador, como ele orgulhosamente se definia. Lembro que nos tempos de graduação, quando tinha que preencher o questionário sócio-econômico da Fundação Universitária Mendes Pimentel - FUMP para renovação da bolsa de manutenção para alunos carentes da UFMG, sempre me envergonhava na hora do preenchimento da profissão e da escolaridade dos meus pais. Ele sempre me explicava: "Não sou agricultor, não tenho terra. Sou lavrador!" Morreu sem conseguir se aposentar, apesar de usar marca-passo no coração. Ele tinha doença de Chagas, doença de pobre, como diz a Eliane Brum. No dia do seu enterro, foi vestido com a melhor camisa que tinha, já surrada, presente da minha irmã que trabalhava como caixa, numa loja de roupas no centro de BH. Lembro de um certo burburinho e o pedido que alguém fosse até a praça de Baldim, correndo, comprar um par de meias, para ele não ser enterrado descalço. Eu protestei: "Se ele viveu a vida toda sem meias, porque, diabos, justamente agora, vai precisar de uma?" Séo Zezinho, um trabalhador rural sem terra, 62 anos, foi enterrado com os pés nus, calcanhar rachado, mãos calejadas, como esse mar de gente que está hoje, em Curitiba, no Acampamento da Democracia.
Hoje, meu coração amanheceu amolecido como um figo na calda

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