Há dias um conto não me sai da cabeça: "Sorôco, sua mãe, sua filha", de Guimarães Rosa, outro santo de minha devoção.
O cenário é uma estação de trem. O famoso trem que levava os "loucos" para Barbacena.
Outro mineiro já cantou sobre a estação, mas esta, a do conto, só tinha
um lado da viagem, o de ida. Talvez, por isso as pessoas falavam sem
parar, para que as outras não percebessem a tristeza, "não queriam poder
ficar se entristecendo" , cada um sabendo "a prática do acontecer das
coisas".
Sorôco era viúvo, a mãe de idade, a filha, "só tinha
aquela" sem mais nenhum parente. Era um "homenzão, brutalhudo de corpo,
com a cara grande, uma barba, fiósa, encardida em amarelo, e uns pés,
com alpercatas". Vinha de braços dados com mãe e filha. A filha cantava,
errado no tom e nas palavras, a mãe batia a cabeça. O povo evitava
olhar, para não deixar Sorôco constrangido, "não parecer pouco caso".
Pra despedida, Sorôco calçou botinas, vestiu paletó, na cabeça chapéu
grande, no corpo "roupa melhor".
O povo dizia que Sorôco tinha
muita paciência, que não ia sentir falta das "pobrezinhas" essas
"transtornadas" ia ser até "um alívio". Sorôco aguentou os anos todos
pelejando com as duas, mas com o tempo elas pioraram, ele não dava mais
conta, precisou de ajuda.
"Ela não faz nada", Sorôco explicou ao
agente do trem. A mãe, em silêncio olhou para o filho, já em
pressentimento do que viria, e o que se viu em seus olhos foi só "um
amor extremoso". A velha juntou com a filha e agora, as duas cantavam
juntas a cantiga que ninguém entendia, mas que provocava nas gentes uma
arcorçôo que chegava a doer. Todo mundo desejando que aquilo acabasse
logo.
"O trem apitou, e passou, se foi, o de sempre. Sorôco, de
chapéu na mão, embargando de poder falar algumas palavras". Imagino que
somente em seu interior disse: "bença, mãe"; "deus lhe ponha a bênção
minha filha"; vão com deus! Sem queixa, aguentou firme o peso do corpo e
do mundo que desabava sobre ele, "exemploso". Toda a gente se
compadeceu da dor de Sorôco e de repente "gostavam dele demais".
Sorôco se sacudiu e virou-se para ir embora. Estava voltando para casa,
"como se estivesse indo pra longe", "se esquisitou, parecia que ia
perder o de si, parar de ser." E num "rompido" parou e começou a cantar
"alteado, forte, mas sozinho pra si", a mesma cantiga que as duas
cantavam. E foi, "sem combinação", que toda a gente, "de dó do Sorôco"
começaram a cantar também aquela cantiga sem razão. Cantaram alto,
caminhando com ele, indo até "aonde ia aquela cantiga".
Pra mim, muito mais do que loucura, esse conto fala é de solidão e compaixão.
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