segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Terceira margem

Dia desses, uma amiga me disse que pensou que eu não daria conta de morar em Baldim, depois de tanto tempo fora. Conversamos sobre como, eu não só dei conta, mas também me fez muito bem. Já se passaram 3 anos desde que cheguei aqui. Ver o menino criando laços com o lugar do meu afeto me enche de alegria. Dia desses, ele foi com o tio e o pai ajudar a vó a buscar lenha. Quando voltou disse: "Puxa mãe, agora eu entendo quando você contava sobre a dificuldade que é buscar lenha." Eu ri e comentei: "E não íamos de caminhão como você foi. Íamos à pé." Às vezes, me acho meio doida. Gostar que o filho busque lenha no cerrado? E não é pela dificuldade que acho importante que ele viva essas experiências. Penso na necessidade de uma educação para/da sensibilidade, e buscar lenha é uma experiência de humanidade. Outro dia, o vi dando um abraço tão carinhoso na vó, que engoli o choro. Aquela mulher simples, que ainda cozinha no fogão à lenha e que faz quitandas 'pra fora'. Naquele abraço tinha tanto afeto que percebi o quanto ele valoriza aquela mulher. Gosto de ouvir os amigos e as amigas dele chamando no portão: "Ôôôô, Jão?!" Como na infância a Betânia me chamava na casa do vovô. Muitos de seus amigos são filhos de amigos meus. Gosto de vê-lo se aprontando para ir para a Quermesse no Asilo, para o rolê na Praça, para o aniversário surpresa na casa de uma amiga. Penso que, mais que um lugar geográfico, Baldim provoca um deslocamento subjetivo. Todos os dias alguém diz querer conhecer minha patriazinha. Eu sempre alerto: Deem um desconto. Baldim é minha terceira margem. Quando chego aqui, é como se entrasse na minha canoinha, de onde eu saio só para buscar o 'de comê' [físico e espiritual] no morro ressecado pela falta de chuvas, nos beija-flores disputando o bebedouro, nas perpétuas colorindo o quintal, na Ave-Maria na hora do Angelus, nas notas de utilidade pública e de falecimento que me chegam pelo alto-falante da igreja, no canto do coro nas missas de domingo, na voz da Dona Geralda que entra pela janela azul de tramela dessa casa velha. E assim, eu sigo "rio abaixo, rio a fora, rio a dentro", porque a terceira margem não se alcança, mas é ela que nos move a remar.

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