terça-feira, 10 de maio de 2016

Retrocesso

Sempre que eu ando com meu irmão por esses matos, ele me conta, emocionado, do tempo de criança. 13 anos mais velho do que eu, ele viveu coisas que eu não vivi. Quando nasci, a família já morava em Baldim, mas foi uma peregrinação por vários lugarejos, fugindo da fome e da miséria, até chegar aqui. Quando andamos por esse cerrado, ele sempre aponta pr'aqui e pr'ali, dizendo: ali, eu levava comida para o papai na roça; ali, papai plantou um quiabeiro; ali, 'panhamos' manga para levar para a Ceasa.
Na Tiririca foi um dos piores lugares. Mamãe, papai e cinco filhos moravam num casebre. Mamãe contou muitas vezes, que lá, os filhos choravam de fome e ela não tinha o que oferecer. Que, desesperada, saía pelo mato, colhendo picão para fazer farofa. Mato com farinha, era o alimento. Depois bebiam bastante água para aumentar a sensação de saciedade.
Mas, meu irmão também conta que teve tempos de fartura. Foi quando foram morar no Guará. Um fazendeiro muito rico, cedeu parte das terras para papai plantar. Era um pequeno sítio com muitas árvores frutíferas, onde papai plantou e colheu muito. Até peixe tinha numa lagoa a poucos metros da casa e a família conseguiu adquirir um cavalo nesta época. Todos os irmãos e irmãs mais velhos lembram com alegria do vivido no Guará.
Com a consumação do golpe estou me sentindo como se estivéssemos saindo do Guará e dando passos para trás, em direção à Tiririca. No Guará, a terra ainda não era nossa, ainda faltava muito para conquistar, mas a Tiririca foi lugar de fome. E, como diz Adélia Prado, "passar fome não é coisa pra gente, não; passar fome é de uma desumanidade tão exagerada, que só pensar bole com a bile de quem tiver um grão de consciência."

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