sexta-feira, 18 de março de 2016

Esperança

Em momentos de injustiça precisamos da esperança.
Mas hoje, eu acordei desesperançada.
Como ter esperança num mundo onde se rouba merenda de criança, mas servem filé mignon a manifestantes anti-governo? Como ter esperança num país que se escandaliza com dois pedalinhos, mas faz vista grossa a um helicóptero com meia tonelada de cocaína? Como ter esperança em uma população que se escandaliza com uma avenida fechada aos domingos para lazer, mas acha que está tudo certo quando ela é fechada, durante dias, por um grupo que agride qualquer pessoa que passe com uma camiseta vermelha? Como ter esperança num povo que tira selfie com PM, a mesma PM que extermina a juventude negra e periférica?
Acordei buscando a esperança: no beijo do filho indo para a escola, no cachorro que pulou em mim, quando eu abri a porta, mas nada... Saramago diz que em tempos de injustiça precisamos andar com a esperança no colo, a embalá-la, ou embalados nós no colo dela. Mas cadê ela?
Fui a horta colher as pimentas, mas no fundo, queria mesmo era encontrar a esperança, a verde, a concreta, aquele bichinho frágil que nos aparece de vez em quando. Em horas de desesperança, o inseto verde junta as duas: a esperança concreta e a esperança abstrata.
Clarice, no belo conto "Uma esperança", fala da fragilidade do inseto, mas que também serve para a outra, a abstrata: "ela quase não tem corpo, só tem alma", "é meio burrinha, hesitante"; "não tem olhos, é guiada pelas antenas", "mais pousa que vive", "é ilusória, mas é ela que nos sustenta sempre".
Aí, lembrei de um outro poema, de Mário Quintana:
"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."
Um dia cheio de esperanças... que ao final do dia de hoje, tudo termine bem.

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