domingo, 20 de março de 2016

Ainda a (há?) esperança

A esperança é um bichinho mesmo muito frágil. Na sexta-feira, seguindo os conselhos de Saramago, comecei o dia embalando a esperança no colo. No começo da noite, depois de toda aquela boniteza que foram as passeatas pelas ruas, minha irmã me perguntou: "Dalva, como está a sua esperança? A minha está do tamanho desse povo todo que foi à rua, hoje".
Mas a injustiça é como a aranha que ameaça a esperança no conto da Clarice. "Precisamos facilitar o caminho da esperança", ela nos diz. A casa precisa estar limpa, precisamos arrastar os móveis, limpar a parede atrás dos quadros. Nada pode ameaçar a esperança, esse bichinho magrelo e frágil.
Como é a literatura que me salva, hoje acordei e fui ler Adélia: "Eu, se fosse governo..."
Fiquei refletindo sobre o conto da mineira.
Eu, se fosse a presidenta, seguiria os conselhos da Adélia: "subiria num tamborete, batia palma e gritava bem alto pra todo mundo escutar: cala boca, gente, escuta aqui. Obrigava todo mundo a ficar quieto primeiro e explicava o meu programa administrativo." Governo, explica Adélia, "é o tipo de coisa que não dá pra fazer sozinho, precisa de todo mundo". Se eu fosse a presidenta, faria como Adélia ensina: "escolhia pra meus ajudantes só gente que tivesse duas coisinhas à-toa: honestidade e competência." Mas a presidenta está cercada de inimigos, coitada!
Com a equipe pronta, aí era chamar todo mundo para uma assembleia, que teria recesso somente depois de trazer, por escrito, "quantos meninos sem escola, quanto pai de família sem emprego, quanto homem e mulher que fosse amarelo, feio, sem dente, sem saúde, sem alegria." Sim, alegria é tão importante quanto comida. Mas aí, como a narradora do conto de Adélia, eu lembro que não tenho poder nenhum e impotente, também fico me sentindo como uma galinha na chuva: "Já viu que dó? Aquele passo bobo, aquele pescoço esticado pra frente, olha aqui, olha acolá, encharcada na friagem e na lama, sem resolver nada e, pior que tudo, sem saber de nada.
Profética, Adélia decifra meus sentimentos: "Tou com medo de apanhar tristeza, encardir de melancolia. Sei que sofrimento neste mundo é fazenda de todos. Mas tendo Justiça, meu Deus, ao menos miséria some, ao menos ninguém vai ter susto de ser preso à toa, de apanhar sem poder dizer essa boca é minha, explicar, de pé feito um homem, se tem culpa ou não." Na quebrada a gente sabe bem como é. Outro dia mesmo, eu e meu amigo passamos por isso: "Calem a boca senão vocês vão ser presos por desacato!" Fiquei muda diante da violência e não consegui segurar as lágrimas.
Como a narradora de Adélia, eu também tenho chorado. Mas choro escondido do menino; pois, quando ele tem o medozinho dele, é atrás de mim que corre, "pensando que eu sou forte, só porque sou grande", só porque sou mãe. Quando vamos a BH e eu reclamo porque ele quer ajudar todo morador de rua, todo malabarista no sinal, todo vendedor que entra no ônibus e digo: "de mim você não tem pena, não é?" Ele responde: "Você não precisa que eu tenha pena de você, mãe". Daí, cata todas moedas e vai lá, colocar na mão do moço. Só falta dar um abraço nele e pedir desculpas porque o dinheiro é pouco e, afinal, é muita gente pra ajudar. É assim desde criancinha.
Mas como a narradora do conto, eu não sei o que fazer, nem como ajudar. A impotência toma conta de mim. Me sentido como a galinha na chuva, eu começo a limpar a casa, a arrastar os móveis, a deixar tudo limpo, para que nada atrapalhe o caminho da esperança; para que ela não seja ameaçada por nenhuma aranha.

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