Pé ante pé consegui sair sem acordar Scooby, Frida e Dandara. As luzes
da rua ainda estão acesas. Coloco os fones de ouvido. Desta vez vou
embalada pela voz de Lenine: "mesmo quando tudo pede um pouco mais de
calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma"... Peguei
emprestado os fones do menino e ouço a canção dos dois lados. A lua
ainda está no céu, linda, inteira. Do outro lado, o tom
vermelho-alaranjado informa que o sol surgirá dentro em pouco. Os
cachorros ainda dormem enrodilhados no
meio da rua. O cheiro que vem da fábrica de doce me deixa em dúvida se é
banana ou goiaba. A lenha buscada ontem, está toda organizada, por
tamanho e espessura, embaixo do pé de manga. Fogão a lenha tem sua
ciência. 6 horas em ponto e o carro passa com a equipe da saúde da
família a caminho da zona rural. A lua já sumiu, o sol surge atrás da
Serra do Baldim. Os eucaliptos que substituíram os pés de pequi,
atrapalham a paisagem. Dou meia volta no trevo e volto. Já tem menino
penteado e com o uniforme da escola. A água do cabelo molhado escorre
pelo pescoço deixando uma marca na camiseta cinza. Nos pés o chinelinho
havaiana gasto de um dos lados. Ele pisa torto como eu. A galinha preta
chocou os pintinhos. Parece que oito conseguiram escapar, dois são
rajadinhos, o resto saiu como a mãe. Estão lá, todos juntos, ciscando no
monte de lixo. Apresso o passo para ter certeza que o menino acordou
com o despertador. A cada dia que passa, ele precisa menos de mim. Minha
playlist recomeça. A voz de Lenine me lembra:
"Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida é tão rara
A vida não para não!"
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