segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Santa Clarice

"Se nada mais der certo leia Clarice", lição que aprendi lendo o escritor português José Eduardo Agualusa, apresentado por minha amiga Luciana Miranda, em Lisboa. Na verdade, eu já fazia isto. Quando os sentimentos ficam muito confusos, eu sempre leio Clarice. Ou eles se arrumam, ou bagunçam de vez. Perceber que não era só eu que fazia isto, me deu um alento... A literatura me salva...


Ontem, acordei com os sentimentos confusos, coração apertado, aquele nó na boca do estômago. Lembrei de Clarice. Fui reler "A paixão segundo G.H.". No livro a personagem se vê às voltas com uma barata.

Eu tenho horror a baratas! Odeio o que este inseto desperta em mim. Ter que matar a própria barata é tarefa das mais difíceis pra mim. A decisão tem que ser rápida, porque senão o inseto foge e você corre o risco de dormir com ele. Esta sensação também não é das mais agradáveis. Saber que está ali, em algum lugar da intimidade do seu quarto aquela barata...

O abismo de terror e nojo entre o espaço de avistar a barata e a decisão de matá-la tem que ser atravessado com a rapidez de segundos. É sempre uma confusão de sentimentos. Primeiro minha solidão é jogada na minha cara. Não tenho a quem recorrer, eu mesma tenho que engolir o nojo, a repugnância e o terror e matar a barata. Depois vem um sentimento de autossuficiência, de poder.  "Consegui, filha da puta!" - o palavrão sempre sai num espécie de desabafo preso na garganta. Em seguida, vem o alívio. Até nos depararmos novamente com outra barata. E são tantas que temos que matar pelo caminho...

No livro de Clarice, a personagem não só mata, como come a barata. Aí é libertação total! É como se você perdesse uma terceira perna, que lhe mantém de pé como um tripé, mas que lhe mantém imóvel, lhe impedindo de caminhar. Quando perdemos essa terceira perna, que embora nos mantendo de pé, nos mantém paralisados, é que percebemos o quanto ela era inútil e desnecessária.

Por isso sou devota de Clarice. Sigamos caminhando com nossas duas pernas e matando nossas baratas!

Que Santa Clarice continue inspirando seus devotos!

Bom dia!

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