segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Levanta e anda!

o exame estava marcado e eu pegando no pé para ele estudar todo dia um pouquinho e não deixar acumular. o menino pega o livro de história e geografia de portugal e se enfia debaixo das cobertas. o termômetro marca 15º. não demora e começam os questionamentos:

- olha isso mãe, da forma como está aqui, parece que os bandeirantes eram caras legais. como assim? eles matavam e escravizavam os índios!

quando chega na parte da escravização dos negros a indignação aumenta ainda mais. o menino se reconhece, se solidariza. já foi chamado de negro na escola, já foi zoado por conta do cabelo.

- mãe, mas do jeito que está escrito aqui parece que a escravização de negros era a coisa mais natural do mundo; tipo assim, sem violência, sabe? como assim?

eu já ficando perturbada.

- mãe, se eu tivesse nascido naquela época eu teria morrido na fogueira também!

o que fazer com tanta indignação? soma-se a isso a experiência do (ex)colonizado, agora, diante do (ex)colonizador. “zuca”, de brazuca é o apelido que ganhou na escola, ou melhor “sobrenome”, senão é acusado de não falar português, mas brasileiro.

- mãe, não dou conta de estudar isso, não! me dá muita raiva!

chamo então, o menino para a frente da tela do computador. ops! para frente do 'ecrã do portátil' e coloco um rap para ele ouvir: “quem costuma vir de onde eu sou, às vezes não tem motivos pra seguir, então levanta e anda, vai! levanta vai! levanta e anda!"

é isso que você precisa fazer com a sua raiva, filho: "levanta e anda!"

“então, cerra os punho, sorria! e jamais volte pra sua quebrada de mão e mente vazias”! entendeu, filho? nós não temos saída. é seguir em frente!

e o menino foi se acalmando. os olhos presos na tela. ouviu todas as músicas do novo cd do emicida, "o retorno de quem nunca este aqui". nem piscava enquanto elisa lucinda recitava junto com o rapper, o poema "sou milionário do sonho". a trilha sonora escolhida por ele ainda teve “ a carne”, “zumbi” e todas de paulo césar pinheiro, no musical besouro.

o livro de história ficou lá, jogado em cima da cama. quando a adrenalina baixar, ele retoma o estudo…

(lisboa, 8 de maio de 2014)

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